A invasão da Ucrânia em 2022 gerou uma nova etapa nas relações entre países. A Realpolitik nas relações internacionais se tornou o imperativo e passamos a assistir, a cada dia, uma nova divisão no planeta entre nações liberais e nações não liberais. Sanções econômicas, bloqueios comerciais, fechamento de empresas, expropriação de ativos, aumentos de despesas militares e alianças intercontinentais começaram a tomar conta dos jornais e passaram a ser notícia diariamente.
Nessa última semana, a visita de Nancy Pelosi, atual presidente da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos, à ilha de Taiwan causou um enorme tumulto nas relações entre os Estados Unidos da América e a China. Contudo, o que de fato isso representa? Os americanos afrontaram os chineses em seus problemas internos ou os chineses utilizaram referida visita como pretexto para avançar sobre a soberania da ilha de Taiwan? Independente de qual seja o motivo, está claro que o debate sobre a soberania de Taiwan é, hoje, um claro segundo ato de uma inevitável Nova Guerra Fria.
É importante nos lembrarmos de que a República da China (Taiwan) é vista pela República Popular da China (China continental) como uma província rebelde, onde não há soberania própria, de modo que toda e qualquer ajuda à independência da ilha significa na verdade uma interferência nos assuntos internos da China e, por consequência, uma intromissão na soberania chinesa.
Por outro lado, desde 1979 o governo dos Estados Unidos introduziu o Taiwan Relations Act, que foi um “ato para ajudar a manter a paz, a segurança e a estabilidade no Pacífico Ocidental e para promover a política externa dos Estados Unidos, autorizando a continuação das relações comerciais, culturais e outras entre o povo dos Estados Unidos e o povo de Taiwan, bem como para outros fins.” Na prática era um reconhecimento indireto da independência de Taiwan sem diretamente afirmar isso.
A lei não reconhece a terminologia “República da China” após o dia 1º de janeiro de 1979, mas usa a terminologia de “autoridades governamentais de Taiwan”. A lei também prevê que Taiwan seja tratado sob as leis dos EUA da mesma forma que “países, nações, estados, governos ou entidades semelhantes”, tratando Taiwan como um equivalente de Estado estrangeiro.
Ao mesmo tempo, os Estados Unidos também reconhecem a chamada One China Policy, que é a posição mantida pela República Popular da China de que existe apenas um Estado soberano com o nome de China, sendo o único governo legítimo dessa China, e Taiwan faz parte da China. Essa política se opõe à ideia de que existem dois Estados com o nome “China”, a República Popular da China (RPC) e a República da China (ROC), havendo ainda a ideia de que China e Taiwan formam dois países separados e independentes entre si.
Neste sentido, os Estados Unidos e muitos dos seus aliados têm relações formais com a República Popular da China e reconhecem-na como o único governo legal da China e, simultaneamente, mantêm suas relações não oficiais com Taiwan, o que é ambíguo e irrita profundamente o governo de Pequim, tornando cada dia mais difícil uma unificação forçada.
A visão de Xi Jinping é clara quando busca deixar um legado de sua gestão, que é reunificar totalmente a China, retomando o controle de Macau e Hong Kong que efetivamente foram resolvidos por meio da política “One Country, Two Systems”, e encontrar uma maneira política ou militar de que Taiwan seja novamente ligada à China Continental. Entretanto, devido às evidentes revoltas populares em Hong Kong e a uma política taiwanesa cada vez mais antipequim, parece estar cada dia mais longe a reunificação da ilha com o continente. Se, por um lado, a guerra na Ucrânia proporcionou uma maior segurança a Taiwan, tendo em vista que Pequim entendeu que uma aventura militar teria um alto custo na economia chinesa, por outro a visita de Pelosi também colocou Pequim acuada, tendo que mostrar sua força militar e que estaria disposta a utilizá-la se assim se tornasse necessário.
Ato contínuo, nações como Alemanha, Suíça e Japão já deram sinais de que não ficarão paradas tanto em disposição militar quanto em sanções econômicas contra a China em caso de invasão à ilha de Taiwan. Na prática, assistimos a uma nova Guerra Fria agora no continente asiático, colocando como no centro do segundo ato a ilha de Taiwan. No arcabouço disso tudo, tem-se mais uma vez uma nação autoritária, utilizando razões meramente históricas para intervir sobre a soberania de um povo e de uma nação com outro estilo de vida e de governo totalmente diferente da sua. Na prática, a China e a Rússia usam os mesmos princípios não democráticos contra populações que buscam decidir seu próprio destino baseadas em regras democráticas.
A diferença neste “segundo ato” é que Taiwan não é a Ucrânia. Estamos falando da nação com maior capacidade tecnológica de produção de chips e semicondutores, com capacidade de produção que impacta aviões, automóveis, televisões, computadores e principalmente equipamentos de alta tecnologia. Além disso, ano após ano os Estados Unidos vêm vendendo armamentos para Taiwan, e seus gastos militares chegam a superar os 3% do PIB, superior a muitos países europeus.
A questão é… Teremos uma nova invasão? A China continental irá invadir Taiwan? Não existe ainda uma resposta clara para tais indagações. Pode acontecer amanhã ou daqui a 50 anos, todavia o que é claro é que adentramos em um território de tensão e pré-combate extremamente perigoso, e isso por si só já resultará em vítimas. A primeira vítima de uma situação como essa é a estabilidade internacional e a confiança dos agentes, sejam empresas ou Estados, para continuar com investimentos e projetos conjuntos de investimento, portanto o Foreign Direct Investment certamente cairá. A segunda vítima são os preços, que impactados pelas instabilidades passam a não corresponder às forças tradicionais de oferta e demanda, e influenciados pela política regional e por mudanças nos insumos se tornam mais caros, causando um efeito inflacionário a que infelizmente já assistimos no caso da Ucrânia. Em terceiro, assistimos a um aumento de taxas de juros para combater a inflação, o que de fato impacta o desenvolvimento de startups e da inovação que tendem a se tornar mais frágeis e menores.
E para o Brasil? Como isso nos impacta? Na prática, o Brasil aparenta ser uma espécie de Hedge dentro dos países do G20. Dentro dessa nova Guerra Fria que já experimentamos, dentro de um cenário inflacionário adverso e de um momento de forte polarização em momento eleitoral, as expectativas de crescimento do PIB brasileiro já chegam próximas a 2% para 2022, o nível de desemprego já caiu para 9,8% e a tendência é de que continue caindo; além disso, o Brasil registra recordes de exportação de minérios e de produtos agropecuários. Nossa razão dívida/PIB vem caindo a cada trimestre mesmo que o risco país continue em alta, o que é incoerente.
Apesar de não existir a certeza de que a melhora desses fatores econômicos manter-se-á em 2023, o fato é que neste ano, com importantes problemas geopolíticos, o Brasil de fato tem se mostrado resiliente em sua recuperação econômica e pode, sim, surpreender se continuarmos a aprofundar nossas reformas, privatizações e nossos projetos prioritários em infraestrutura nos próximos anos. Agora do ponto de vista geopolítico, de que forma o Brasil deve se situar em relação a Taiwan? Acreditamos que tal como na Ucrânia o Brasil deve se posicionar conforme seus interesses nacionais, levando em consideração que tanto a China quanto os Estados Unidos e Taiwan são importantes para o desenvolvimento econômico do nosso país, mas entendemos que, mesmo sem poder-se alterar fundamentalmente a situação geopolítica mundial, a manutenção do status quo é benéfica para nossa nação. Neste importante jogo geopolítico, o Brasil deve se posicionar sempre ao lado da democracia e da autodeterminação dos povos, e sempre contra incursões militares, mas também precisa jogar pragmaticamente, observando e priorizando com altivez os interesses dos brasileiros.