* com Pedro Rodrigues
Em resposta à crise sanitária e econômica causado pela pandemia da COVID-19, o mundo se vê no abismo de uma crise fiscal. Após quase 6 meses fechada para balanço, a economia global começa a dar sinais de recuperação, as sequelas desse apagão começam a ficar mais claras e as saídas dos futuros problemas começam a ser pensadas. Como a capacidade fiscal e características sociais dos diversos países são diferentes, as soluções para uma melhor recuperação precisam ser igualmente distintas. Quando o mundo foi desligado da tomada, outra preocupação que ganhou corpo foi com o meio ambiente e com as mudanças climáticas. O que já era uma tendência acabou ganhando força, alguns analistas até se arriscam a prever que o próximo desligamento do planeta poderá ser causado por problemas relacionados ao meio ambiente.
Buscando fazer do limão uma limonada, ou seja, encontrar um caminho de retomada no qual se consiga uma resposta para a questão fiscal, repensar o consumo dos combustíveis fósseis e melhorar o meio ambiente que o estado norte-americano de Nova Jersey anunciou uma elevação na tributação da gasolina e do diesel. Segundo a Secretaria de Tesouro, a partir de 1º de outubro, os tributos serão aumentados em 22% para a gasolina e em 18% para o diesel vendido nos postos de combustível. A mudança visa a compensar a queda da arrecadação, causada pela pandemia, que impactou fortemente as contas do Estado.
O aumento anunciado pelo governo deve elevar em cerca de 9,3 centavos de dólares por galão o preço da gasolina e do diesel. O objetivo é compensar a redução de cerca de US$ 154 milhões, na arrecadação estimada de julho de 2019 a junho de 2020. De março a maio deste ano, o consumo de gasolina nos Estados Unidos apresentou uma queda de 39% na comparação anual, e o diesel, uma redução de 17%. Nacionalmente, a demanda por petróleo ainda estava 12% abaixo da média em julho, apesar da abertura gradual da economia. A consequência da queda brusca de demanda é a queda na arrecadação, num momento em que qualquer perda de receita pode ser crucial na retomada da crise.
Aumentar tributos, repensando uma lógica mais eficiente de tributação pode ser uma alternativa para ajudar na recuperação fiscal e o meio ambiente. Segundo o FMI (Fundo Monetário Internacional), até junho, cerca de US$ 10 trilhões já haviam sido gastos no mundo todo no combate à pandemia. Além de colaborar para a melhora da situação fiscal, repensar a forma de tributar os combustíveis fósseis pode contribuir para a transição energética. Atualmente, a tributação dos combustíveis fósseis nos Estados Unidos tem como foco apenas a arrecadação para os cofres do Estado, sem mirar nos efeitos extra fiscais da tributação. Contudo, países europeus já possuem essa lógica extra fiscal há alguns anos visando a incentivar as fontes alternativas e desincentivar o consumo dos fósseis. De acordo com dados de 2016, no Reino Unido o percentual de impostos no preço final dos combustíveis era de cerca de 68,9% e na Itália e na França, de 66% e 63%, respectivamente.
No Brasil, na média, os impostos representam cerca de 36,5% do preço final dos combustíveis. No caso da gasolina, por exemplo, esse percentual pode chegar a 45%. Incidem sob os combustíveis 4 tipos de impostos: o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), que varia entre os Estados, a Cide (Contribuição Social de Intervenção no Domínio Econômico), PIS/Pasep (Programa de Integração Social/ Contribuição para Financiamento da Seguridade) e Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social).
A perspectiva da reforma tributária representa uma oportunidade para a racionalização da tributação de combustíveis. Trata-se da possibilidade de eliminar o impacto das atuais incidências tributárias sobre combustíveis por um único tributo. Para tanto, a proposta de emenda à Constituição (PEC nº 45) deve prever um IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) com incidência monofásica para os combustíveis, com alíquotas únicas em todo o território nacional, diferenciadas apenas por produto.
A cadeia dos combustíveis no Brasil é composta por um número pequeno de refinarias (19), representadas hoje, basicamente, pela Petrobras, um pouco mais de 200 importadores, cerca de 400 usinas produtoras de biocombustíveis, aproximadamente 150 distribuidoras e mais de 40.000 postos de combustíveis. Do ponto de vista tributário, o que se vê é uma fragmentação cada vez maior de contribuintes, a jusante do refino e importação.
A alta carga tributária somada às baixas margens em cada etapa da cadeia tornam o segmento naturalmente vulnerável a altos índices de sonegação e evasão fiscal. Da forma como são cobrados hoje, os tributos estimulam a concorrência desleal e fortalecem a figura do devedor contumaz. Segundo estudo da FGV (Fundação Getúlio Vargas), a dívida ativa total de empresas de combustíveis é estimada em cerca de R$ 60 bilhões, com uma perda anual estimada de cerca de R$ 10 bilhões. Tais perdas são decorrentes da estrutura tributária atual, que não aproveita todo o potencial de arrecadação desse importante segmento. Com isso, perde a sociedade, que precisa da arrecadação dos impostos para a efetivação das políticas públicas, e perdem os agentes do setor que passam a competir com os sonegadores.
A tributação monofásica nos combustíveis já é uma realidade por meio do PIS/Cofins. No entanto o ICMS possui uma complexidade traduzida em 27 regulamentos em vigor no país. Além disso, a disparidade de alíquotas entre os entes federativos cria tratamento desigual entre os consumidores. Por essa razão, a sistemática do ICMS vem sendo amplamente debatida.
A implementação do IBS monofásico sanaria os problemas causados pela sistemática atual de tributação de combustíveis no Brasil. Para que seja benéfico ao setor, o novo imposto deve substituir o PIS/Cofins e ICMS, além de consistir em um sistema monofásico concentrado no produtor, importador e no produtor de biocombustíveis. Essa concentração está em linha com os interesses dos agentes de arrecadação de combustíveis, notadamente os Estados, a fim de garantir uma receita perene e estável.
O IBS monofásico deveria permitir a adoção de alíquotas diferenciadas por produto (etanol, gasolina e diesel), respeitando as externalidades, sobretudo as ambientais. O CNPE (Conselho Nacional de Política Energética) incluiu como uma das suas diretrizes para viabilização da venda direta de etanol do produtor ao posto revendedor, a isonomia concorrencial e preservação da arrecadação, o que seria solucionado com o IBS monofásico.
A tributação do setor de combustíveis, a partir de um IBS monofásico, reduzirá drasticamente o espaço para a sonegação e concorrência desleal, diminuindo o imenso número de pedidos de restituição e ressarcimento de ICMS.
O IBS pode, ainda, ter um sistema de alíquotas fixas, ad rem, a serem aplicadas de acordo com o preço do produto. Esse sistema permitiria a garantia de arrecadação, ao mesmo tempo em que se diminui o impacto das variações dos preços das commodities e variações cambiais no preço ao consumidor dos produtos.
A proposta sobre a sistemática monofásica de arrecadação atende aos principais objetivos de segurança jurídica: ampla base tributária, respeito aos direitos dos contribuintes, atendimento à seletividade com base em uma matriz energética renovável e convivência com um ambiente regulatório e concorrencial saudáveis.
* Pedro Rodrigues: Sócio do Centro Brasileiro de Infraestrutura e sócio fundador do CBIE Advisory.
Fonte: “Poder 360”, 15/9/2020
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