Encerradas a eleições, os perdedores têm demonstrado grande preocupação com o futuro governo “de extrema direita” de Jair Bolsonaro. (Não entro aqui no mérito dessa classificação, até porque, para os esquerdistas, tudo que não é esquerda, é “extrema direita”).
A preocupação faz sentido, pelo menos se olharmos a situação sob o ponto de vista deles. Desde a Constituição de 1988, a sociedade brasileira houve por bem colocar quantidades sempre crescentes de poder e dinheiro nas mãos do Estado – e, por conseguinte, dos governos. Fizemos isso com a aprovação entusiasmada, senão pela iniciativa mesma da esquerda, sempre ávida por distribuir privilégios a certos grupos com o dinheiro dos outros.
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Fizeram isso como se não houvesse amanhã, sem pensar que ninguém governa para sempre numa democracia. Que um dia haveria alternância de poder e que, portanto, mais dia menos dia seus antagonistas ideológicos assumiriam o comando, com todos os poderes, dinheiros, custos e benefícios que isso significa.
Tivessem esses esquerdistas o cuidado dos liberais, sempre céticos em relação a qualquer governo, teriam lutado ao nosso lado para retirar poderes dos governos, e não para aumentá-los de forma quase infinita. Hayek traduziu bem essa preocupação dos liberais num ensaio de 1945:
“A principal preocupação de Adam Smith não era tanto com o que o homem ocasionalmente conseguiria quando estivesse em seu melhor, mas que ele deveria ter a menor oportunidade possível de causar danos quando estivesse em seu pior momento. Não seria demais alegar que o principal mérito do liberalismo, que ele e seus contemporâneos defenderam, é que se trata de um sistema sob o qual os homens maus podem fazer menos mal. É um sistema social que não depende para o seu funcionamento de encontrar bons homens para executá-lo, ou de todos os homens se tornarem melhores do que realmente são, mas que faz uso dos homens em toda a sua variedade e complexidade, às vezes bons e às vezes ruins, às vezes inteligentes e mais frequentemente estúpidos.”
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Se as pessoas são naturalmente complexas (às vezes boas, às vezes ruins, às vezes inteligentes, mas na maioria das vezes estúpidas), então colocar um pequeno grupo delas numa posição de muito poder sobre as outras, e esperar que esses eleitos sejam melhores que a média é grosseiramente ilógico e estatisticamente improvável. Em resumo, é totalmente irrealista.
Em última análise, é impossível saber como as pessoas irão reagir quando tiverem muito poder nas mãos, até que finalmente tenham-no. Alguns poderão agir com sabedoria e honradez, outros com prepotência, estupidez e desonra. Cada escolha é realmente uma incógnita, quase um lance de sorte. Faz sentido confiar tanto poder e responsabilidade numa aposta de loteria?
Portanto, esquerdistas, tenham isso em mente na próxima vez que alguém proclamar que um Estado grande e todo-poderoso é necessário para levar a sociedade à prosperidade e à convivência civilizada. Antes de aprovarem políticas estatizantes e intervencionistas, sempre perguntem a si mesmos, como fazem os liberais: o que impediria que seres humanos imperfeitos e imprevisíveis, ao assumir o poder – com acesso quase ilimitado aos poderes coercitivo e econômico do Estado -, causem graves prejuízos aos demais?