Ano passado, passei 15 dias em alguns dos países da antiga Iugoslávia. Aprendi mais em duas semanas sobre a região do que em toda a minha vida prévia. Além de ter pernoitado na Croácia e na Eslovênia, visitei Montenegro e Bósnia. Tive oportunidade de ver prédios crivados de balas, com pessoas morando, com a infraestrutura estampando as marcas da guerra de 20 anos atrás. Depois de conversar e ler bastante sobre a região, convenci-me de que daqui a 20 anos os sete países em que se dividiu a Iugoslávia formarão parte da União Europeia e a maioria terá adotado o euro.
O lugar que mais me impressionou, pelo contraste com o drama do começo dos anos 90, foi a Croácia. Em 1991, esse país declarou a independência e desde então entrou em guerra, passou quatro anos mergulhado no conflito, lambeu as feridas, acertou a paz com seus vizinhos, aderiu ao capitalismo, adaptou completamente a sua economia, abriu-se para o exterior, negociou a entrada na União Europeia, ingressou nela e, provavelmente, não demorará a discutir sua adesão ao euro. Ou seja, em 22 anos, o país passou por uma verdadeira revolução. O resultado é que um país fechado, socialista, mergulhado no ostracismo, cinza, hostil e opaco até o final dos anos 80 é hoje uma economia plenamente integrada, igual a qualquer país avançado da Europa Ocidental, porém mais barato e – o que é impressionante – com todos os jovens falando um inglês perfeito. O desemprego é elevado, mas o espírito com o qual a integração é encarada é de “bola pra frente”: é assim e pronto.
A comparação com o Brasil é deprimente. Enquanto os países da antiga Iugoslávia passavam, em maior ou menor medida, por esse percurso, no Brasil em meados da segunda década do século 21 ainda estamos discutindo pontos que constavam das propostas de Collor em… 1991! Nosso ritmo é exasperante.
O problema não é apenas a lentidão. Tão preocupante quanto isso é constatar que, ao contrário do que se nota nos países que estão evoluindo mais rapidamente – boa parte da Ásia, parte da antiga Europa Oriental ou alguns países da América Latina – e também ao contrário do que se observa nos campeões do desenvolvimento, como a Alemanha ou a Coreia, persiste no Brasil, fortemente enraizado em alguns círculos, um profundo preconceito contra o capitalismo.
Naqueles países, o capitalismo é tema pacificado. O operário alemão, o tecelão de Taiwan, o atacadista polonês, o empresário chileno, o ministro colombiano não ficam discutindo acerca dos malefícios do capitalismo e as injustiças que gera. Pelo contrário: de um modo geral, todos – governo, empresários, trabalhadores, intelectuais, etc. – entendem que as regras do jogo estão definidas, concordam com elas e procuram se posicionar diante disso da melhor forma possível.
Já aqui, por contraste, há muitas formas de colocar areia no desenvolvimento. É uma questão de atitude. A postura negativa permeia as mais diversas instâncias. Vai das autoridades que falam contra os “lucros excessivos” até os sindicatos que pleiteiam aumentos salariais despropositados, passando por intelectuais intoxicados por graus diferenciados de marxismo tropicalizado, por leis aprovadas que oneram pesadamente a produção e por decisões judiciais que, muitas vezes, ignoram os efeitos desses atos sobre os incentivos a produzir – isso sem falar de uma mídia com graus variados de simpatia pelas causas mais estapafúrdias em matéria de lógica econômica.
Os acontecimentos de 2013 são uma expressão desse pano de fundo. Independentemente da existência de razões para que o cidadão comum se indigne com o mau uso dos recursos públicos, aqueles atos trouxeram suspensão de contratos de concessão, defasagem tarifária, depredação do patrimônio público, destruição de propriedade privada, etc. com boa dose de beneplácito generalizado. O Brasil tem de avançar muito, mas a principal mudança pela qual o país deve passar é cultural: precisamos aceitar o funcionamento de uma economia capitalista.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 26/02/2014
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