Iniciativas globais para o crescimento sustentável
O sistema financeiro mundial ficou mais de 20 anos se fazendo de rogado diante do premente desafio do desenvolvimento sustentável. Ultimamente, contudo, começou a dar sinais de estar gestando uma histórica mudança de atitude, embora tais indícios ainda sejam mais retóricos do que práticos.
Há 24 anos foi instalado em Genebra um organismo com a missão de “provocar uma mudança sistêmica das finanças para apoiar um mundo sustentável”. Resultou de feliz iniciativa do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) em persuadir organizações do sistema financeiro a assumirem alguns princípios básicos de conduta. Primeiro bem específicos às atividades de bancos e seguradoras, mas que não demoraram a ser consolidados em um único “statement”, hoje assumido por mais de duzentas entidades espalhadas por quarenta países (“UNEP Finance Initiative”).
Demorou demais para que surgisse outra iniciativa de envergadura comparável. Foi só em abril de 2012 que os ministros de finanças e presidentes de bancos centrais do G20 criaram um grupo para estudar a principal dimensão atual da sustentabilidade: a descarbonização. E foi esse “Climate Finance Study Group” que motivou, exatamente um ano depois, o Departamento de Estado dos EUA a reunir em Washington um seleto clube de governos e especialistas, momento em que alguns agentes-chave das finanças internacionais começaram a olhar de outra forma para o apoio privado a “projetos verdes”.
Passaram-se ainda mais dois anos até que um duplo movimento de imenso impacto global impulsionasse essa tendência: o Acordo de Paris, que ao menos destravou o processo de negociações climáticas, se somou à “Agenda 2030 - Transformando nosso mundo”, que já estabelecera os dezessete Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Porém, foi tão somente nestes últimos dias que se confirmaram as suspeitas de que talvez seja mesmo para valer a tardia adesão da finança mundial à cultura da sustentabilidade. Primeiro em Hangzhou, durante a 11ª Reunião de Cúpula do G-20, na qual a presidência chinesa fez de tudo para divulgar o relatório do recém-criado “G20 Green Finance Study Group”, conduzido em parceria com a Grã Bretanha, e que conta com a decisiva colaboração do próprio Pnuma em sua secretaria geral.
Logo depois, na maratona de eventos globais da semana passada em Nova York, durante a qual foi amplamente divulgado relatório apresentado pelo presidente da 71ª sessão da Assembleia Geral da ONU, Peter Thomson, e representante permanente da República de Fiji: “Moving from momentum to transformation in a time of turmoil”.
Esses dois relatórios dão o mesmíssimo recado: urge que o sistema financeiro tome o rumo do desenvolvimento sustentável. O problema é que, por mais que tal retórica tenha avançado, continuam magérrimas as evidências concretas de que o sistema estaria mesmo pronto para romper com tão profunda alienação.
A eclosão dos títulos verdes
A mais citada é sempre a evolução das emissões anuais de títulos verdes (“green bonds”). Em bilhões de dólares, deram um primeiro pulo entre 2009 e 2010, indo de menos de um para quase quatro. O segundo salto as levou, de três para onze entre 2012 e 2013. Em 2014 ultrapassaram os 36, em 2015 os 42, e nos primeiros noves meses deste ano chegaram a mais de 51. No acumulado, já existe um mercado de títulos verdes de US$ 150 bilhões.
Pode parecer muito, mas é irrisório se comparado às necessidades de financiamento estimadas pela Unctad para o cumprimento das metas previstas na Agenda 2030. Mesmo excluídos os países desenvolvidos, ainda assim o cumprimento dos ODS exigirá investimentos anuais na faixa dos US$ 3,3 trilhões a US$ 4,5 trilhões. Em outras palavras, cerca de US$ 2,5 trilhões acima do que vem sendo investido. Pior: por enquanto só podem ser considerados verdes 1% do total de títulos negociados, 1% do total de ativos dos investidores institucionais, e no máximo 10% do total de empréstimos bancários.
Daí a necessidade de examinar com mais atenção essa recentíssima eclosão dos “green bonds”. Se até 2012 seus únicos emissores eram os bancos de desenvolvimento multilaterais, a partir daí passaram a crescer significativamente as participações de bancos comerciais, de municípios, de empresas e de agências de crédito e exportação. Com isso, o valor acumulado por títulos verdes emitidos pelo setor privado está prestes a alcançar o dos bancos multilaterais.
Também é preciso destacar que a utilização desses recursos continua bem concentrada no setor energético (44%), embora não pare de aumentar nos demais. Principalmente nos de transportes e no da construção civil, devido à expansão dos mercados desses títulos na China e na Índia, onde já contam com forte apoio governamental.
É tudo isso que precisa ser levado em conta para que se perceba a importância crucial da consulta pública sobre o bem-vindo “Guia para emissão de títulos verdes no Brasil”, aberta há dez dias por parceria da Febraban com o CEBDS, com apoio técnico do GVces e da Sitawi Finanças do Bem.
Fonte: “Valor econômico”, 29 de setembro de 2016.
No Comment! Be the first one.