O Supremo Tribunal Federal vetou a prática do ensino domiciliar. É uma derrota para a liberdade de ensino, reduzindo a concorrência salutar com o sistema escolar e as possibilidades de pais darem o melhor para seus filhos, segundo sua própria estimativa.
Compreendo e partilho das inquietações que levaram 9 dos 11 ministros a votar contra o ensino domiciliar, mas elas jamais deveriam constituir um motivo para vetá-lo completamente, e sim para regular a forma como é implementado pelas famílias. O voto vencido do ministro Barroso, favorável à prática, contemplava essas demandas.
Em primeiro lugar, é preciso garantir que, se a criança recebe sua formação em casa, que ela aprenda os conteúdos essenciais do ensino básico. É inadmissível, por exemplo, que pais não ensinem o filho a ler, ou que o deixem ignorante acerca de como o mundo funciona, ou mesmo a reprodução e saúde humanas. O jovem não pode ser forçado a acreditar na teoria da evolução, mas ele tem que ser capaz de compreendê-la e mostrar essa compreensão. Por isso, é essencial que as crianças e jovens que recebem ensino em casa sejam avaliados periodicamente.
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A avaliação, contudo, não se dá no vácuo. Sabemos bem que o ensino público brasileiro é sofrível. E não faz sentido o Estado cobrar das famílias uma qualidade que ele próprio não entrega. Sendo assim, o ensino domiciliar de uma família deveria ser vetado apenas no caso de os alunos irem pior na avaliação do que a média dos alunos das escolas públicas de seu entorno. Se ele estiver acima dessa média, não há argumento possível para dizer que, academicamente, ele esteja sendo prejudicado.
A outra preocupação relevante é com a socialização. A escola não é apenas um canal de conteúdo. É também o espaço e a ocasião para crianças e jovens socializarem com pares de sua idade e diferentes backgrounds familiares. Privar uma criança de socialização com pares é tão prejudicial ao futuro dela quanto privar de conteúdos essenciais. Por isso, algum tipo de inspeção deve ser feita para se certificar que a criança tem contato regular com outras crianças.
É verdade que, em alguns casos, a real motivação do ensino domiciliar seja o sectarismo fanático ou ainda más intenções. Também é verdade que, mesmo com boas intenções, uma família pode falhar no projeto de educar seus filhos em casa (assim como uma escola pode falhar).
Dito isso, e tomadas precauções para reduzir as possibilidades de abuso, o ensino domiciliar é uma alternativa à precariedade do ensino escolar (público e privado) brasileiro, além de permitir uma rica variedade de filosofias e abordagens diferentes. Ao permiti-lo, garantimos também que o ensino básico no país conte sempre com mais alternativas e, portanto, com uma melhora concorrência entre as diversas formas. Já há milhares de famílias que ensinam seus filhos em casa, muitas com excelente desempenho. Proibir experiências de sucesso apenas por dogmatismo é, sob o pretexto de zelar pelo bem das crianças, condená-las à mediocridade.
Fonte: “Exame”, 13/09/2018