A América Latina vive uma situação paradoxal: na última década, isto é, no momento em que experimentava significativo crescimento econômico e alguma melhoria na distribuição de renda, a região tornava-se a mais violenta do mundo. Enquanto os índices de criminalidade caíram em todas as demais regiões, na maioria dos países latino-americanos apresentaram aumento, atingindo níveis considerados “epidêmicos” pela classificação da Organização Mundial da Saúde – acima de 10 homicídios a cada 100 mil habitantes.
Esse cenário desalentador, revelado por um estudo do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), indica que a América Latina não prioriza a segurança como elemento básico da vida cidadã, e a consequência disso é a perenização do atraso. “Sem paz não pode haver desenvolvimento”, comentou Helen Clark, administradora do Pnud.
O estudo, intitulado Segurança cidadã com rosto humano: diagnóstico e propostas para a América Latina, mostra que, entre 2000 e 2010, a taxa de homicídios na região subiu 11%. Nada menos que 1 milhão de pessoas foram assassinadas. Já os roubos e furtos triplicaram nos últimos 25 anos. O relatório diz ainda que, num “dia típico na América Latina”, 460 pessoas, a maioria mulheres, sofrem violência sexual.
O Pnud alerta que a região ostenta índices “alarmantes” de impunidade, além de colapso do sistema carcerário e profunda desconfiança dos cidadãos no funcionamento da polícia e da Justiça. Diante disso, recorre-se cada vez mais à segurança privada e cresce o apoio ao endurecimento das leis, como se isso tivesse o condão de garantir a paz social.
O diagnóstico do estudo sobre a contradição entre melhoria econômica e degradação da segurança ataca a visão edulcorada do modelo adotado no Brasil e em outros países para a redução das desigualdades. Diz o texto que esse modelo criou um “crescimento econômico sem qualidade e centrado no consumo”, o que não proporciona suficiente mobilidade social e gera, como consequência, o “delito aspiracional” – isto é, o crime cometido por indivíduos que, alimentados pela expectativa de consumo, se dispõem a “desafiar a ordem legítima e optam pelo delito como forma de vida”. Esse mesmo modelo econômico, ademais, gerou um crescimento urbano acelerado e desordenado, dificultando a inclusão social efetiva.
O relatório aponta ainda a qualidade precária da rede pública de ensino como motivo elementar do aumento da violência. Se a educação é um componente óbvio para a redução da criminalidade, os jovens latino-americanos deveriam ser estimulados a permanecer na escola. No entanto, a péssima qualidade da educação e a consequente dificuldade para entrar no mercado de trabalho estimulam a evasão, o que é a chave para o aumento da violência: em todos os países latino-americanos pesquisados, mais de 80% dos presos não haviam completado 12 anos de escolaridade.
“Não há fórmula mágica e única para resolver o problema”, diz o estudo, “mas a insegurança tem remédio.” Em primeiro lugar, o combate à violência não pode ser tratado como mero tema de campanha eleitoral e, sim, como política de Estado – isto é, que disponha de recursos suficientes para treinamento e modernização da estrutura estatal de segurança, que envolva todos os setores sociais, que promova reformas institucionais profundas e, o mais importante, que seja sustentada seja qual for o partido no poder.
No Brasil, como em outros países latino-americanos, disseminou-se nos últimos tempos a percepção, alimentada por marqueteiros políticos e populistas acadêmicos, de que a mera transferência de renda seria capaz de reduzir a criminalidade – como se a pobreza determinasse a violência. O estudo do Pnud mostrou, no entanto, que nenhuma mudança social será real e duradoura se a segurança dos cidadãos for negligenciada. Ao contrário: o Estado, ao não proteger a vida e a integridade física e material dos cidadãos, deixa de assegurar o conjunto de direitos que está na própria essência do desenvolvimento humano.
No Comment! Be the first one.