A discussão da autossuficiência energética no Brasil tem se limitado à questão do petróleo e dos combustíveis fósseis. De fato, a estagnação da produção da Petrobras, a insuficiente capacidade de refino num cenário de consumo crescente, vem fazendo com que o volume de importações seja cada vez maior, sendo responsável por parte significativa da deterioração das contas externas e dos maus resultados da estatal. No entanto, essa discussão deveria ter um caráter mais abrangente, uma vez que o Brasil possui uma grande diversidade de fontes energéticas, capazes de garantir a autossuficiência energética e a segurança de abastecimento, fatores fundamentais para um país que deseja ter um papel preponderante na cena internacional.
Nesse sentido, tanto o gás natural quanto o etanol têm apresentado uma participação na matriz energética brasileira muito abaixo dos seus potenciais. Isso é consequência de uma visão míope por parte do governo, que não leva em consideração as características desses dois combustíveis em relação aos demais, principalmente, no que se refere ao meio ambiente.
O monopólio da Petrobras tem sido prejudicial ao crescimento do gás na matriz energética. Na realidade, a estatal sempre considerou o gás como subproduto do petróleo, focando suas campanhas exploratórias na descoberta de petróleo na plataforma continental. Com o sucesso das descobertas de petróleo e gás associado no mar criou-se a ideia de que o Brasil não tem petróleo e gás em terra. Quando a verdade está no fato de que quase não se furou em terra no Brasil. Assim, têm-se adiado a descoberta e a produção de um gás natural mais barato, quer pela ausência de leilões onshore contínuos, quer pela ausência de uma legislação e regulação específicas que diferenciem a exploração do mar e da terra.
A ideia de que não existe gás em terra já foi contrariada pela descoberta de pelo menos três bacias: Bacia do Solimões, Bacia do Parnaíba e Bacia do São Francisco. Na Bacia do Parnaíba, já se descobriram reservas com mais de 30 bilhões de m³ de gás natural, dos quais mais de 7 bilhões de m³ já são provados na Agência Nacional do Petróleo (ANP). Em relação à Bacia do São Francisco, que tem potencial para mudar o mercado brasileiro de gás, devido à proximidade com os centros consumidores, a campanha exploratória já notificou mais de 16 descobertas de hidrocarbonetos, desde 2005.
No entanto, as médias empresas que estão à frente desses projetos esbarram na falta de tecnologia, capital e infraestrutura para levar esse gás ao mercado. O seu aproveitamento parcial vem se dando por meio da instalação de usinas termoelétricas na “boca do poço”, deixando-se de lado usos mais nobres como a cogeração e o consumo na indústria.
No caso do etanol, que antes do pré-sal era visto como estratégico, perdeu competitividade por conta da política de preços subsidiados da gasolina e pelo fim da Cide. A baixa competitividade do etanol fez com que os consumidores optassem pela gasolina, fazendo com que as vendas do derivado disparassem, enquanto as do biocombustível se reduziram nos últimos anos. Com a redução da demanda, as empresas se viram em dificuldades financeiras, levando o setor a um ciclo negativo de falta de investimento, baixa de produtividade e queda de produção. O resultado é que trocamos o projeto “Arábia Saudita Verde” pelo projeto de nos tornarmos membro da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), à semelhança da Venezuela.
Os problemas apontados no gás natural e no etanol afetam as demais fontes de energia e se refletem na falta de planejamento de longo prazo, abandonado pelo atual governo. Em vez de definir metas de participação para cada uma das fontes na matriz energética e estabelecer políticas públicas, baseadas em regras de mercado, que garantam esse objetivo, o governo opta por eleger o “preferido” da vez, que é beneficiado e ao mesmo tempo punido com medidas de curto prazo, como o pré-sal, criando distorções de preços relativos e contribuindo para uma má alocação de recursos na economia. O Brasil possui enorme vantagem comparativa quando o assunto é disponibilidade de energia. No entanto, a interferência governamental desastrosa não permite que essa vantagem comparativa se traduza em vantagem competitiva e desenvolvimento para o país.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 07/05/2014
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