Nessa história de pedir que os chineses limitem suas exportações, o Brasil não fez um “negócio da China”
Há algumas semanas, o governo brasileiro pediu à China que restringisse voluntariamente suas exportações de têxteis, confecções, calçados e eletrônicos. Caso contrário, o país poderia impor limites diretos às importações, alternativa que deve fazer com que a China aceite a proposta brasileira.
Parece um ato de soberania, dos quais as autoridades, sempre que possível, se pavoneiam.
Trata-se, porém, do proverbial “tiro no pé” – se alguém fez um “negócio da China” nessa história, lamento informar que não foi o governo brasileiro.
Já tive a oportunidade de argumentar neste espaço sobre as restrições às importações, seja do ponto de vista macroeconômico seja do ponto de vista microeconômico.
Observada pelo prisma macro, tais medidas geram impactos inflacionários que, sob um Banco Central comprometido com o controle da inflação (lamentavelmente não é o nosso caso), reduziriam o escopo para taxas de juros mais baixas e crescimento mais vigoroso da demanda interna.
Já pelo prisma micro, o problema associa-se ao custo imposto ao consumidor, assim como a perda geral de eficiência.
Tudo isso permanece válido e é sempre necessário lembrar que tais medidas geram benefícios para poucos em troca de perdas para muitos, mas não é esse o assunto do qual quero tratar hoje. Minha questão é outra, a saber, se -dada a decisão (equivocada) de limitar o volume de importações- as restrições voluntárias de exportações dos parceiros são uma medida melhor do que a mera imposição de uma tarifa ou uma cota de importação.
Peço ao leitor que imagine um exemplo muito simples. Digamos que o país importe 50 unidades por ano de um determinado produto ao preço de R$ 10 por unidade, mas decida limitar as importações lançando mão de uma tarifa que gere as seguintes implicações: a quantidade importada cai de 50 para 40 por ano, fazendo com que preço interno salte de R$ 10 para R$ 15 por unidade, enquanto o valor líquido recebido pelo exportador chinês cai de R$ 10 para R$ 5 por unidade.
Em outras palavras, os consumidores, que antes gastavam R$ 500 pelas 50 unidades, agora têm de gastar R$ 600 para consumir 10 unidades a menos (presumivelmente teriam de gastar mais R$ 150 relativos às unidades compradas de produtores nacionais, mas esse não é meu argumento central). O exportador chinês ficaria com R$ 200 (40 unidades ao preço líquido de R$ 5 por unidade) e o governo brasileiro com os R$ 400 de diferença, relativos à incidência da tarifa (R$ 10) sobre as 40 unidades importadas.
Imagine, contudo, que -em vez de impor uma tarifa- o governo brasileiro resolva convencer o exportador chinês a restringir suas exportações a 40 unidades.
Como a disponibilidade do produto importado é a mesma que no exemplo acima, o preço a que o produto é vendido no Brasil também deve ser o mesmo, isto é, R$ 15 por unidade. Sob tais condições, portanto, o exportador chinês agora recebe R$ 600 por 40 unidades.
Não se impressionem pela receita chinesa agora ficar maior do que seria sem a restrição -esse não é um resultado geral, mas apenas fruto dos números particulares escolhidos para este exemplo.
O resultado geral (e mais importante no contexto) é que, se sob a tarifa o governo brasileiro e o exportador chinês dividiam a receita advinda dos consumidores locais, agora, sob a restrição voluntária às exportações, toda (isso mesmo, toda) a receita fica para o exportador chinês!
Não é preciso mais do que dois neurônios para concluir que, dadas as alternativas (restrição à importação versus restrição voluntária às exportações), a China sempre escolherá a segunda, ao custo de um governo que ignora as consequências dos seus próprios atos.
Pirro, o general macedônio que derrotou os romanos na batalha de Ásculo, perdendo, porém, 4.000 dos seus soldados, teria dito que mais uma vitória como aquela o liquidaria militarmente. Difícil não concluir o mesmo da “vitória” brasileira na negociação.
Fonte: Folha de S. Paulo, 14/03/2012
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