Um dos aspectos que tem chamado atenção da opinião pública e da mídia em geral é o impacto que o procedimento de votação (aberto versus secreto) tem sobre as chances de punição de legisladores envolvidos em corrupção. Por um lado, o voto secreto pode ser um inimigo da transparência, pois este, supostamente, permitiria ao acusado desenvolver acordos escusos, a portas fechadas, “comprando” assim o apoio da sua absolvição perante seus pares. Por outro lado, o voto secreto pode funcionar como um antídoto contra intimidação, permitindo que legisladores votem de forma sincera e independente sem receios de represálias e retaliações, especialmente no caso do acusado ser poderoso.
O Senado já demonstrou ser favorável à primeira interpretação, pois facilmente aprovou, em dois turnos de votação, a Proposta de Emenda à Constituição conhecida como “PEC do Voto Aberto”, de autoria do senador Álvaro Dias (PSDB-PR). Esta proposta prevê o fim do voto secreto apenas nas votações de processos de cassação de parlamentares, e agora será encaminhada à apreciação da Câmara dos Deputados.
Entretanto, nem toda iniciativa que tem como princípio maior transparência produz os efeitos desejados. Em pesquisa recente co-autorada com Matthew Taylor, demonstramos, através de simulações computacionais e testes empíricos, que o efeito do procedimento de voto (aberto versus secreto) sob a probabilidade de punição de legisladores corruptos é contingente a pelo menos três fatores: a publicidade que o escândalo alcança nos meios de comunicação; a composição do legislativo em termos da proporção entre parlamentares com crimes pregressos (ficha suja) e parlamentares ficha limpa; e, principalmente, o poder do acusado.
A Figura abaixo mostra o efeito conjunto dessas três dimensões através da comparação de quatro simulações (Modelos) construídos com base no comportamento do Congresso brasileiro variando o procedimento do voto e o poder do acusado: o Modelo “A” pode ser tomado como referência, pois reproduz as regras atuais do Congresso com o voto aberto na Comissão de Ética e voto secreto no Plenário. Como pode ser notado, as regras atuais do Congresso geram uma probabilidade de punição de apenas 45.8% quando o nível de informação disponível sobre o escândalo é alta. Entretanto, quando comparamos esse modelo com o Modelo “B”, que usa os mesmos parâmetros mas assume o procedimento do voto aberto no plenário, como deseja a maioria dos senadores com a aprovação recente da PEC, a probabilidade de punição atingiria a marca surpreendente de 91.6%. Será que este resultado sugere que a mudança no procedimento de voto acarretaria em maior accountability?
É interessante perceber que os Modelos “A” e “B” simulam o efeito de diferentes procedimentos de voto na probabilidade de punição de comportamentos desviantes de legisladores quando o acusado tem pouco poder. O que aconteceria se aumentássemos significativamente o poder político do acusado (de 0.23 para 0.83, em um índice que varia de 0 a 1)? Surpreendentemente, uma comparação dos Modelos “A” e “C” mostra que, sob as mesmas condições institucionais atuais aberto na comissão de ética e secreto no plenário), os parlamentares com mais poder político que infringem a ética e o decoro tem menos chances de punição. Com a mudança para o voto aberto no plenário, como quer a maioria dos senadores, a probabilidade de punição de parlamentares poderosos acusados de corrupção é simplesmente nula (Modelo “D” mostra uma linha reta no zero).
Algumas reformas institucionais podem ter efeitos perversos
Ou seja, ao invés do voto aberto aumentar as chances de punição, na realidade, ele diminui, quando se trata do julgamento de parlamentares poderosos. A enorme diferença na probabilidade de cassação entre os Modelos “B” e “D” é suficiente para ilustrar que o voto aberto não é esta panaceia em todas as condições ou circunstâncias, como vem sendo fortemente apregoada. Sem dúvida, o voto aberto seria muito efetivo em se tratando de parlamentares politicamente fracos, do “baixo clero”. Mas seria extremamente ineficiente no julgamento de parlamentares politicamente fortes.
Portanto, quando pensamos em desenvolver um ambiente institucional estável, promotor de boa governança e gerador de desenvolvimento não podemos desconsiderar possíveis efeitos perversos de algumas reformas institucionais. Dependendo das circunstâncias, o tiro pode sair pela culatra gerando ainda mais impunidade e insegurança. Desta forma, o mais recomendado para o aumento da transparência e da punição seria então manter o voto secreto para parlamentares que ocupam posições de liderança partidária e na hierarquia do Congresso, e o voto aberto para parlamentares do baixo clero. O julgamento que decidiu, por voto secreto, pela cassação do senador Demóstenes Torres (sem partido-GO), até bem pouco tempo, um bastião da ética e do decoro parlamentar, é uma evidência de que o voto secreto não é necessariamente inimigo da transparência.
Fonte: Valor Econômico
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