Está em tramitação no Congresso Nacional a chamada “PEC do Voto Aberto” que visa a decretação do fim do voto secreto em processos de cassação de parlamentares. A iniciativa – por elevar o princípio da transparência e o próprio espírito republicano – vem sendo saudada e festejada por inúmeros setores da sociedade brasileira. Parte-se da premissa de que o voto secreto estimula a blindagem corruptiva e a prática de acordos ocultos entre consciências políticas venais, enquanto que o voto aberto impediria os nefastos pactos de impunidade, pois sujeitaria o parlamentar votante aos atentos olhos do povo. Inegavelmente, a proposta possui uma força retórica encantadora; resta saber, todavia, se tal encanto corresponde à sinuosa lógica dos fatos políticos.
Pois bem. Ao publicar, em 1893, sua bela obra Democracia Representativa, Assis Brasil, com sua inteligência luminosa, defendeu a ideia de que, em certas circunstâncias, somente o secretismo poderia proteger o voto dos males da compra e da intimidação. Dizia, então, o ilustre político rio-grandense: “Só algum inocente compraria um voto invisível e inverificável, e os corruptores eleitorais poderão ser acusados de tudo, menos de inocência”, vindo a concluir que “o voto secreto é inverificável; logo não é matéria de intimidação”. Com a consagração do dogma do sufrágio universal, o voto do eleitor, então, passou a ser sempre secreto; por sua vez, o do eleito – pela necessidade de prestar contas ao eleitor – passou a ser quase sempre aberto e ostensivo, salvo alguma exceção constitucional legitimadora.
Nesse contexto, as recentes Constituições republicanas adotaram o princípio da publicidade das deliberações legislativas como vetor de conduta política, ressalvando o sigilo para restritas hipóteses taxativamente determinadas. Dessa forma, nas questões parlamentares, o voto aberto passou a ser regra, e o voto secreto, exceção. E uma exceção somente se justifica quando as razões da excepcionalidade se sobrepõem aos motivos da regra geral. Aqui, a questão ganha densidade, pois, em certas situações, o voto secreto é uma autêntica proteção ao parlamentar e ao próprio Parlamento contra investidas intrusivas do poder dos Poderes.
Sobre o ponto, merece destaque que recentes estudos apontaram que o voto aberto é efetivo apenas nos casos de cassação de políticos fracos, mas extremamente ineficiente sobre políticos poderosos. Tal assimetria punitiva é sintomática e exige séria reflexão da sociedade brasileira, pois está a demonstrar que o voto aberto – como regra absoluta – pode ser uma solução ilusória, de ótimo resultado retórico, mas de pouca efetividade prática. Ora, se o poder pode corromper, a corrupção é sempre inescrupulosa. Logo, é ilusão pensar que os venais passarão a ser probos por força da castidade teórica do voto aberto.
Sem cortinas, a ousadia do corrupto e a audácia do corruptor não se intimidam ao microfone aberto das Casas legislativas, pois estão nem aí para os clamores de moralidade pública. Essa gente é capaz de dar risadas com lágrimas nos olhos, jurar a verdade com os braços na mentira e, pelas facilidades do poder, votarão aberto felizes da vida, mirando apenas seus tacanhos interesses pessoais. Lembra-se, ainda, que o caso Demóstenes foi ilustrativo no sentido de que o voto secreto não é impedimento aos clamores de melhores costumes políticos. Está certo que, no referido exemplo, a imprensa foi firme e atuante, não deixando os fatos caírem em esquecimento. Assim sendo, talvez não seja a modalidade do voto, mas a justa e contínua pressão democrática por melhores hábitos e costumes o grande instrumento de transformação da política brasileira.
É verdade que Brandeis, em conhecida expressão, disse que “a luz do sol é o melhor desinfetante”. No entanto, acredito que, para os altos e nobres fins da democracia, o melhor desinfetante é o bom político com seus bons princípios, com seus bons valores, com suas boas ações. E o bom político deve ser bom com sol ou com chuva, com voto aberto ou secreto, na alegria e na dor. Portanto, de nada adiantará a mudança do critério do voto se o material humano da política continuar a ser defectivo. Então, onde estão os bons homens habilitados a serem bons políticos?
Fonte: “Consultor Jurídico”
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