O projeto de lei aprovado ontem na Câmara dos Deputados deveria ajudar na solução da crise fiscal de estados mais endividados, como o Rio. Mas, da forma como foi costurado, torna a saída da crise mais complicada. A avaliação é de especialistas em contas públicas, que criticaram a retirada das contrapartidas que o governo federal exigia para oferecer o alívio da dívida. Eles destacam que as medidas de ajuste fiscal são necessárias e, ao serem retiradas do texto, apenas adiam reformas necessárias e dificultam a tarefa dos governadores — que terão de aprovar reformas em suas assembleias legislativas sem apoio de uma lei federal.
Para Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos, a decisão da Câmara mostra que os deputados não entenderam a extensão da gravidade da crise dos estados.
— É uma tremenda irresponsabilidade da Câmara. Os estados pressionarem para isso mostra uma incompreensão da gravidade e uma dificuldade de assumir o tamanho da crise. São governadores fracos, que pressionaram a Câmara para adiar o problema — afirma a economista.
Sinal de fraqueza da fazenda
Ela destaca que os gastos com pessoal e Previdência estão entre os problemas por trás do desequilíbrio das finanças estaduais. As contrapartidas exigiam a elevação da contribuição previdenciária de servidores e a suspensão de reajustes salariais:
— O desequilíbrio das contas não é por causa da dívida pública. É por causa do déficit da Previdência, cujo passivo atuarial dos estados é 50% do PIB. São estados quebrados que não conseguem enfrentar a agenda dura. Isso que foi feito é a marcha da insensatez. É lamentável o episódio.
O economista José Roberto Afonso, pesquisador do Ibre/FGV e professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), compara a crise estadual a um incêndio. Para ele, o texto aprovado agrava a situação. Ele acredita que, por si só, a exigência das contrapartidas na lei federal não resolveria o problema, mas ajudaria os governadores a tocar os seus ajustes.
— A crise dos estados é como um incêndio em um arranha-céu, da federação brasileira. A decisão da Câmara foi o mesmo que optar por não emprestar as escadas para os bombeiros. Isso dificulta a situação, mas o fato também de ceder as escadas por si só não apagaria o incêndio — explica o economista. — As contrapartidas eram apenas uma escada para que os bombeiros locais combatessem as chamas. Sem ajuste fiscal, nenhum governo sai do incêndio.
Zeina, da XP, concorda:
— A negociação faz parte. O que não dá é um Congresso alheio à necessidade de fazer ajustes estruturais nos estados. Qual o incentivo que o governador vai ter para fazer?
Ela acrescenta ainda que o episódio representa uma derrota da equipe econômica no Congresso, algo que será percebido pelo mercado:
— Ao contrariar a orientação, enfraquece o Ministério da Fazenda. Como se não bastasse o sinal ruim aos mercados do episódio em si, tem ainda essa sinalização em relação à força do Ministério da Fazenda.
Ao contrário dos colegas, o economista Raul Velloso considera que as exigências do governo federal eram duras demais. Para ele, a aprovação do texto com as contrapartidas era inviável politicamente, porque tornaria a negociação rígida demais. Apesar disso, o especialista em contas públicas considera que a aprovação da lei não ajudará na negociação dos estados em calamidade, como o Rio, já que o Ministério da Fazenda continuará responsável pela última palavra para conceder o alívio de três anos do pagamento da dívida. A tendência é que a equipe econômica mantenha a posição de exigir um ajuste fiscal duro, negociando diretamente com os estados, diz Velloso:
— A negociação volta à estaca zero. Se olhar para trás, nada progrediu. A única coisa que o Rio levou foram aqueles R$ 2,9 bilhões das Olimpíadas. Nada mais. Hoje, vejo a negociação com o Ministério da Fazenda praticamente impossível. O projeto não ajuda, deixa de piorar.
O economista defende que a medida ideal para tirar os estados da crise seria algum mecanismo pelo qual a União pudesse auxiliar diretamente os estados endividados. Uma possibilidade seria a criação de fundos, pelos quais o governo federal pudesse injetar dinheiro nas contas estaduais, em troca de ativos. Isso daria um fôlego extra para negociar medidas de ajuste, destaca Velloso:
— Existe um erro sobre qual é a real capacidade dos governadores de aprovarem medidas indigestas nas suas comunidades sem que seja feito um trabalho muito cuidadoso de convencimento. O único instrumento que eles têm é o controle do caixa. Se eles têm o caixa, eles podem negociar com as partes afetadas o pagamento em dia dos seus compromissos. Qual é a moral que um governador tem de fazer uma medida de ajuste quando ele não consegue honrar seus compromissos?
Para o secretário de Fazenda do Rio Grande do Norte e coordenador do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), André Horta, a discussão sobre a escalada das despesas nos estados é secundária, frente às dificuldades de arrecadação, principalmente de estados que dependem do Fundo de Participação dos Estados (FPE).
— Não acho que o gasto excessivo explica a história. É uma questão parcial. Respeito e acho legítimo o plano e o esforço do Ministério da Fazenda. O que estou falando é que esse é um problema reflexo. O subfinanciamento dos estados é algo fundamental. Se ele não for corrigido, podem ser colocadas as exigências mais rigorosas e não vão resolver — destaca o secretário.
Fonte: O Globo.
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