Dos planos econômicos da década de 80, podem-se retirar alguns ensinamentos que serviram de marco inicial para a implementação do Plano Real:
a) Combater a inflação significa alterar a estratégia de crescimento econômico fechada e protecionista que estava exaurida em seus instrumentos e formas de financiamento;
b) A economia, submetida durante décadas à inflação, era incapaz de crescer continuadamente, e para acabar com a inflação era preciso reduzir o deficit público e racionalizar o orçamento;
c) A passagem para uma economia sem inflação deveria ser precedida de um período em que os preços pudessem flutuar relativamente, a fim de recuperar a capacidade de expressar a realidade da relação de troca;
d) Dentro dessa visão, qualquer congelamento de preços deveria ser evitado;
Era, portanto, necessário redefinir o modelo de desenvolvimento nacional para que se conseguisse obter simultaneamente o controle da inflação e a retomada de um novo ciclo de crescimento econômico. Somente assim se poderia estabelecer o caminho para um novo perfil distributivo do rendimento nacional e o crescimento sustentado.
O Plano Real foi introduzido durante um ambiente favorável. De um lado, havia liquidez internacional, o que diminuiu as restrições do setor externo; do outro, as liberalizações no comércio exterior e de capitais internacionais, as privatizações e outras reformas de mercados ajudaram a disciplinar a formação de preços, atrair capital estrangeiro e prover receitas extras ao Estado. Houve consenso, devido aos planos de caráter heterodoxo falhados da década anterior, de que a disciplina fiscal era um elemento crítico para o sucesso da estabilização. Com efeito, ainda existia o temor de que o Plano Real iria para o mesmo rumo, e este fator fez com que a equipe econômica fosse ainda mais conscienciosa.
A ampliação do programa de privatizações foi um importante pilar de sustentação do Plano Real. As grandes privatizações ocorridas entre 1997 e 1998 atraíram vastos fluxos de investimento estrangeiro direto (IED) para o Brasil, o que ajudou a financiar o elevado déficit em conta corrente do país. As privatizações também foram providenciais para evitar a explosão da dívida pública, agravada pelo contínuo aumento do déficit fiscal a partir de 1995. Numa perspectiva de longo prazo, no entanto, a mudança mais significativa proporcionada pelas privatizações aponta para a gestão das antigas estatais, algumas hoje são protagonistas dos investimentos brasileiros no exterior, como a Embraer, Companhia Vale do Rio Doce e a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN).
O impacto das transformações e do maior acesso ao capital foi excelente, tanto no aspecto do volume da produção como em produtividade e níveis de investimento. Com desempenho mais eficiente e melhores práticas comerciais, essas empresas conseguiram aumentar os lucros, o que reabilitou a sua credibilidade financeira e facilitou a obtenção de novos investimentos. Tais melhorias, tanto no setor industrial como no de infraestrutura, foram uma das bases para o crescimento nos anos posteriores, tanto do Produto Interno Bruto (PIB) como da internacionalização da economia brasileira de forma sistemática e robusta, não somente com as exportações, mas também com o aumento substancial de multinacionais brasileiras no mundo. Em 2006, por exemplo, o IED brasileiro no exterior superou os investimentos diretos do exterior no Brasil, pela primeira vez desde que os dados são contabilizados. Entre 2001 e 2010, os ativos de IDE brasileiro no exterior mais que triplicaram, de US$ 49,7 bilhões em 2001 para US$ 189,2 bilhões em 2010. Já em 2011, de acordo com o Banco Central do Brasil, o stock de IDE brasileiro ultrapassou os US$ 200 bilhões pela primeira vez, somando US$ 202,6 bilhões. A internacionalização revela um Brasil para além das commodities minerais e agrícolas, em nenhuma hipótese desmerecendo-as, mas também a conquistar um espaço de destaque no cenário global das indústrias e dos serviços. E o Plano Real foi um dos grandes pilares para esse novo patamar da economia brasileira.
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