A Venezuela serve como um teste de caráter na política brasileira. Se alguém defende o regime Maduro, pode ter certeza: essa pessoa nutre as piores e menos democráticas intenções para o Brasil.
Maduro preside a fase terminal do chavismo, num espetáculo deprimente de pauperização, degeneração institucional e violência. Com inflação que deve superar os 1.000% este ano, produção em queda livre, pobreza em ascensão, falta de alimentos, emigração em massa e dezenas de opositores mortos, a última desculpa para os abusos do governo cai por terra: não é pelo social; é pelo poder.
É o resultado previsível de um programa insustentável. As conquistas sociais de Chávez nada mais foram que usar os ganhos extraordinários do petróleo (cujo preço estava alto) para financiar políticas de transferência de renda. Nisso, aproveitou para submeter todas as instituições do país ao Poder Executivo, cercear a mídia, amordaçar a oposição e estatizar a economia.
Minou a capacidade produtiva do país e tornou os serviços públicos reféns dos altos e baixos do mercado internacional. Quando o preço do petróleo caiu, o sonho acabou. Com as instituições tomadas pelo chavismo, a economia em frangalhos e a violência em alta, é difícil vislumbrar uma saída.
SÉRVULO DIAS: “SOMENTE UMA RUPTURA RADICAL SERÁ CAPAZ DE DAR NOVAS ESPERANÇAS AO POVO VENEZUELANO”
A Assembleia Constituinte agora eleita é um golpe de Maduro para anular o Congresso, que lhe faz oposição. As regras foram feitas sob medida para favorecer o regime: pequenas comunidades rurais têm o mesmo peso que grandes centros urbanos, que é onde reside a maior parte da oposição. Isso sem falar no um terço das vagas reservadas para “grupos sociais” selecionados a dedo.
O esquema vem revestido da retórica mistificadora da soberania popular. Quem seria contra deixar o povo escolher? Invariavelmente, a exaltação ufanista da democracia sem lei serve à concentração do poder nas mãos de um só. Isso passa longe da democracia de verdade, que depende de divisão de poderes e de regras claras, constantes e não pautadas pela expediência política.
É lamentável ver partidos como PT e PSOL apoiando o governo Maduro. O PT é o cabeça da corrupção nacional. O PSOL é, até onde sabemos, limpo nesse front. Agora ambos se mostram unidos num intento ainda pior que a corrupção: a aspiração totalitária, ou seja, o uso oportunista das massas para alavancar o poder total de um pequeno grupo.
Felizmente, o Brasil difere da América hispânica. Não temos Chávez nem Maduro, Perón nem Kirchner; nem muito menos Fidel. Conosco, o deboche sempre falou mais alto que a devoção. A percepção generalizada da corrupção nos mantém realistas: sabemos que, por trás da propaganda, todo líder é demasiado humano. Onde nossos vizinhos fazem a hagiografia de seus heróis, nossa história funciona melhor como chanchada.
Somos individualistas demais para nos sacrificarmos em prol de um projeto de poder alheio; é uma de nossas virtudes. Gratidão e ternura para com um líder? Sim, na medida em que esperamos ganhar com ele. Disposição para lutar nas ruas, cortar relações pessoais com opositores? Jamais. E se se achar muito acima da carne seca, que caia no chão.
Por isso, não acredito que o Brasil viverá o pesadelo venezuelano. Mas fiquemos alertas: não falta quem queira tentar…
Fonte: “Folha de S.Paulo”, 01/08/2017
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