Por Humberto Maia Junior
No dia 14 de novembro, a Polícia Federal realizou mais uma etapa da Operação Lava-Jato, que investiga um esquema de corrupção na Petrobras. Foram presos presidentes e executivos de algumas das maiores construtoras do país.
A suspeita é que as empresas tenham pagado milhões de reais em propinas a funcionários da Petrobras e, indiretamente, a políticos de partidos da base de apoio do governo — PT, PMDB e PP — em troca de contratos com a estatal. O caso é grave, mas quem segue de perto o tema não se surpreende com esse tipo de notícia.
Estudos que medem a percepção de corrupção colocam o setor de construção no topo do ranking de falcatruas. Segundo o economista americano Charles Kenny, um dos maiores especialistas do mundo no assunto, isso ocorre porque as empreiteiras estão intimamente ligadas aos governos, que costumam ser os principais clientes de obras e projetos de infraestrutura.
Para diminuir os riscos de corrupção, Kenny propõe duas saídas: aumentar a transparência nos negócios entre estado e iniciativa privada e diminuir a burocracia, que cria meandros por onde a corrupção se esconde. Aos 43 anos, Kenny tem no currículo passagens pelo Banco Mundial, onde trabalhou em projetos anticorrupção em países da África e do Oriente Médio.
Hoje, é um dos pesquisadores do Centro para o Desenvolvimento Global, instituto de estudos sediado em Washington, nos Estados Unidos. No ano que vem, ele pretende publicar um livro sobre o que países desenvolvidos e instituições como o Banco Mundial estão fazendo para combater a corrupção. Por telefone, Kenny falou com “Exame”.
EXAME – A indústria de construção é um dos setores em que casos de corrupção são mais comuns. Por quê?
Charles Kenny – A indústria de construção é a que mais paga propinas no mundo todo. Uma pesquisa feita com 4.000 companhias do setor em 22 países mostrou que elas gastam, em média, 2% das receitas anuais para subornar funcionários públicos. Desse valor, 15% são usados para fechar contratos com o governo.
Outros 28% são pagos para facilitar a liberação de licenças de funcionamento nos órgãos públicos. A principal razão de isso acontecer é que os contratos para as grandes obras são complexos. Há milhares de detalhes num contrato para construir uma ponte, por exemplo. Cada projeto é único e fica difícil estabelecer padrões. Essas peculiaridades abrem brechas nas quais é possível esconder a corrupção.
EXAME – Isso só ocorre em países emergentes?
Charles Kenny – Não. A corrupção acontece tanto em países desenvolvidos quanto em emergentes, embora nestes últimos o número de ocorrências seja bem maior. Há uma diferença, porém: nos emergentes, o mais comum é o pagamento de propinas para obter contratos com o governo.
No mundo desenvolvido, os mecanismos são mais sutis. Em vez de virar propina, o dinheiro é direcionado para o financiamento de campanhas eleitorais, por exemplo. Mas o impacto é parecido em todos os lugares: os contratos assinados pelo setor público com a iniciativa privada tornam-se menos vantajosos para o Estado, o que acaba prejudicando a sociedade.
EXAME – De que forma a sociedade é afetada?
Charles Kenny – Quanto maior a corrupção, mais alto é o preço final de uma obra. E os países com renda per capita menor são os lugares onde os custos das obras são maiores. Países onde a corrupção entre governo e indústria de construção é maior também tendem a investir mais em novas obras.
Ao mesmo tempo, a manutenção da infraestrutura existente é negligenciada. Isso não é bom para o desenvolvimento de um país. Outra forma de corrupção tem como objetivo evitar que a empresa cumpra normas de segurança.
Em 1999, mais da metade dos edifícios da Turquia não cumpria as normas de segurança, embora 98% da população vivesse em áreas de risco. Naquele ano, um grande terremoto matou 11 000 pessoas.
EXAME – O que fazer para combater a corrupção?
Charles Kenny – Muitas pessoas dizem que é preciso aumentar os controles para combater a corrupção. Não concordo. A burocracia é uma aliada da corrupção. Quanto maior o número de leis e normas, mais haverá formas de interpretá-las, abrindo brechas para os corruptos.
Aumentar a transparência dos contratos é bem mais eficiente. Os acordos entre empresas e governos precisam ter regras claras e ser amplamente divulgados. Também é importante contar com o parlamento como órgão de fiscalização.
EXAME – O Brasil aprovou uma lei anticorrupção semelhante à americana — a que, em 2009, levou a empreiteira Halliburton a pagar 560 milhões de dólares num acordo judicial para evitar um processo por corrupção. O que podemos esperar?
Charles Kenny – Não dá para dizer que uma lei, por si só, vá diminuir a corrupção. Mas pode acontecer no Brasil, como ocorreu nos Estados Unidos, um aumento no número de casos descobertos. A legislação americana incentiva as empresas a tomar a iniciativa de relatar os casos e buscar acordos. Mas, se existirem punições severas e a lei for cumprida, é de esperar uma queda nos casos.
EXAME – Como foi sua atuação pelo Banco Mundial no combate à corrupção no Oriente Médio e na África?
Charles Kenny – No Oriente Médio, os governos favoreciam os “amigos”. Em vez de propinas, as empresas ofereciam favores a amigos e parentes de quem detinham o poder. O que fizemos foi propor medidas para aumentar o nível de competição entre as empresas, de modo a diminuir a força desses favores.
Na África, as propinas eram mais comuns. E nosso trabalho em países como Etiópia, Quênia e Tanzânia era criar formas de aumentar a transparência.
EXAME – Que país pode servir de bom exemplo para o Brasil?
Charles Kenny – Reduzir a corrupção — e não apenas aumentar o número de casos descobertos — depende de uma série de reformas institucionais que tornem os contratos públicos mais transparentes e façam o funcionamento do Estado ser mais simples, ou seja, com menor número de regras.
Nesse sentido, a Geórgia é um bom exemplo. Atualmente, todos os contratos do governo georgiano com empresas são publicados na internet. E houve aumento da eficiência do Estado. Aos poucos a imagem do país vem mudando aos olhos dos investidores.
Isso aparece nos rankings de competitividade do Fórum Econômico Mundial. De 2011 para cá, a Geórgia evoluiu da 42a para a 23a posição no item corrupção.
EXAME – A Petrobras anunciou a criação de uma diretoria de compliance como resposta ao escândalo causado pela prisão de executivos da companhia e de empreiteiras. Esse tipo de medida funciona?
Charles Kenny – Não. A criação de uma diretoria como essa não faz a menor diferença se não vier acompanhada de mudanças institucionais que aumentem o controle da sociedade sobre os contratos firmados pelo governo e pelas estatais com as empresas privadas.
Fonte: Revista Exame, 19/11/2014
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