Freio nas obras do governo e investigações da Lava-Jato são principais motivos para piora no quadro do setor
O endereço é do sindicato de trabalhadores da construção civil de Brasília, mas nos últimos meses foi confundido com templo religioso por quem passava por ali, diante das longas filas para homologação de demissões. A movimentação atípica no sindicado reflete a crise no setor. As estatísticas do emprego mostram que em janeiro (último dado disponível), pela primeira vez desde 2003, mais vagas foram fechadas do que abertas no segmento da construção. Foram menos 9.729 postos de trabalho com carteira assinada no setor e isso depois de, em 2014, 110 mil vagas terem sido eliminadas.
O cenário vem se agravando principalmente nas obras públicas federais, fortemente afetadas pelos cortes no orçamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e devido à crise financeira nas construtoras, algumas atingidas em cheio pela Operação Lava-Jato, que apura desvios de recursos nos contratos da Petrobras.
— Todo dia tem vindo muita gente por aqui, entre cem e 200 pessoas — diz Edgar de Paula Viana, presidente do sindicato dos trabalhadores da construção civil do Distrito Federal.
Os ex-colegas de trabalho Eden Oliveira da Silva, de 30 anos, e Ediomar Maria Soares do Nascimento, de 31, estiveram no sindicato de Brasília para homologar a demissão na quinta-feira. Eles trabalhavam em uma empresa de construção de imóveis residenciais. Nas mãos, a carteira de trabalho. Na cabeça, a certeza de que será difícil encontrar outro emprego em breve no setor da construção civil, onde os salários são mais altos para o nível de escolaridade deles.
— Temos que achar outro trabalho, provavelmente sem ser fichado (com carteira de trabalho), talvez no comércio ou em outro tipo de serviço, mas a construção paga mais — diz Nascimento.
— Estou com aluguel para pagar, mas a situação está ruim em todo lugar — completa Silva.
A crise não está restrita ao Distrito Federal. Espalha-se pelo Brasil. Em São Paulo, demissões chegaram a ser feitas em grupos. Na Bahia, a Amorim Barreto Engenharia, que atua na construção de rodovias, reduziu seu quadro de funcionários de 730 em dezembro a menos de 300 hoje. A empresa, que compõe o consórcio responsável pela BR-116, foi informada pelo governo, na semana passada, que a ordem de serviço para o início efetivo das obras só deverá ser emitida no próximo ano.
— O que estava previsto para hoje só vai sair no ano que vem. O planejamento é zero no nosso setor. Você abre a empresa, corre riscos, emprega e não pode se programar. Para a BR-116, uma obra de R$ 270 milhões, eu contrataria pelo menos 500 pessoas. Trabalhar para governo é muito difícil, e a estrada está precisando de reforma, porque está em péssimo estado — desabafa Hildebrando Amorim, dono da Amorim Barreto.
Empresas reclamam de atraso nos pagamentos
Com os atrasos e as incertezas futuras em relação aos pagamentos federais pelas obras públicas, a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) prevê que, até o fim do ano, a força de trabalho pode encolher até 15%. No fim de 2014, segundo dados do Ministério do Trabalho, havia 3 milhões de trabalhadores com carteira assinada no setor. A Associação Nacional das Empresas de Obras Rodoviárias (Aneor) estima que o ritmo dos canteiros de obras do Departamento Nacional de Infraestrutura Rodoviária (Dnit) caiu a 40% frente à média de 2014, com muitas empresas sem receber recursos que deveriam ter sido pagos desde novembro.
O setor da construção — que já vivia uma fase turbulenta com Lava-Jato, restrição de crédito e alta dos juros — viu no decreto 8.412, que contingenciou recursos do Orçamento federal e do PAC, uma espada sobre a cabeça. Pelo decreto, haverá um recuo de gastos do PAC 2 a quase metade do que foi contratado pelo governo federal no ano passado, segundo a CBIC.
O presidente da entidade, José Carlos Martins, prevê que, se essa restrição for mantida, até o final do ano, haverá queda acentuada no ritmo das obras e demissão de mais de 300 mil trabalhadores no setor. No ano passado, mais de 100 mil vagas foram fechadas, com saldo líquido negativo pela primeira vez em 11 anos, segundo dados do Ministério do Trabalho.
— As empresas vão diminuir o ritmo e passar a demitir, pois não veem no horizonte os pagamentos pelo que estão produzindo — disse Martins.
Rodolfo Torelly, consultor de relações do trabalho e ex-diretor do departamento de Emprego e Salário do Ministério do Trabalho, destaca que o setor da construção civil tradicionalmente convive com uma rotatividade elevada entre seus trabalhadores, mas, com as crises acumuladas nesse segmento, novas vagas não estão sendo criadas.
— É um setor que está sendo extremamente afetado com atrasos de pagamentos e grandes construtoras com problemas na Justiça. Se o quadro não é bom para o emprego neste ano como um todo, na construção deverá ser pior.
Entre as obras do PAC mais afetadas pela redução dos gastos públicos estão o programa Minha Casa Minha Vida e os empreendimentos no setor de transportes, administrados por Dnit, Infraero e Valec. A Constran, uma das empreiteira incluídas nas investigações da Lava-Jato, demitiu empregados e reduziu o ritmo de construção da Ferrovia Norte-Sul, em Goiás, por atrasos em pagamentos da Valec — que, segundo a estatal, foram quitados nos últimos dias. Na Infraero, os atrasos nos pagamentos estão na casa de R$ 90 milhões, mas nenhuma obra foi interrompida. Segundo a empresa Amorim, da Bahia, a decisão do governo federal de cortar investimentos é replicada em obras públicas de estados e municípios.
Na semana passada, a Aneor, que reúne as empresas de obras rodoviárias, entregou ao Ministério dos Transportes uma carta em que pede que a pasta apele ao Ministério da Fazenda para que reveja o decreto 8.412.
— A nossa apreensão, para não dizer desespero, é que em 30 de abril teremos em torno de R$ 2,2 bilhões em pagamentos atrasados e entraremos no segundo quadrimestre sem a garantia de recebimento de R$ 1,5 bilhão a vencer — diz José Alberto Pereira Ribeiro, presidente da Aneor.
Planejamento: projetos prioritários serão mantidos
Responsável pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o Ministério do Planejamento informou, por meio de nota, que o governo tem procurado promover o equilíbrio fiscal com a adoção de uma série de ações distribuídas do lado da receita e do lado da despesa, mas muito mais do lado dos gastos. “É importante ressaltar que os investimentos públicos dos programas prioritários estão mantidos. Provavelmente haverá alguma adequação, mas mesmo com esforço fiscal haverá, e já está ocorrendo, um grande investimento público nesse ano”, diz a nota.
Segundo o Planejamento, só no âmbito do PAC, nos primeiros dois meses de 2015, já foram pagos quase R$ 10 bilhões: “O governo está saldando todos os compromissos e os projetos em andamento serão finalizados”.
O Planejamento confirma para breve o lançamento da terceira fase do Minha Casa Minha Vida, que havia sido prometido para o ano passado. A queixa dos empresários da construção é que a não divulgação das condições do programa até agora mantém o clima de incerteza no setor.
Indagado sobre os cortes nos investimentos e atrasos nos pagamentos, o Ministério da Fazenda informou que “não há contingenciamento dos recursos do PAC até o momento”. Segundo a Fazenda, o governo apresentou uma programação até abril, por meio do decreto 8.412, e está avaliando os números que serão apresentados para o restante do exercício. “Quando houver alguma definição a esse respeito, será divulgado pelos meios oficiais”.
O Ministério dos Transportes, responsável por gastos de Dnit e Valec, disse que os limites de pagamento do decreto 8.412 são provisórios até a definição da lei orçamentária pelo Congresso.
Fonte: O Globo
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