Por Adriano Pires e Elena Landau*
Um governo opta pela privatização de seus ativos para arrecadar recursos que possam contribuir com esforço fiscal ou para reestruturar um setor buscando mais eficiência na sua operação. Idealmente pelas duas razões, como foi feito, por exemplo, com a privatização do Sistema Telebras nos anos 90.
Dando continuidade ao processo de privatização, que até então vinha concentrado na infraestrutura, o governo Dilma anuncia agora a venda de ativos da Petrobras. O Plano de Negócios e Gestão 2015-2019 da empresa prevê desinvestimentos de US$ 15,1 bilhões para 2015 e 2016. Neste caso, o objetivo é somente ajudar o caixa, afetado pela combinação de política equivocada de preços de combustíveis e corrupção.
Ainda assim é uma oportunidade única de finalmente implantar a reestruturação do setor de gás com a desverticalização da operação e a introdução de competição no setor, afinal a Petrobras atua pela Gaspetro no transporte, na distribuição e na energia elétrica com suas térmicas a gás.
Evidentemente que a segregação destas atividades deve ser introduzida com uma nova regulação de maneira que os limites de atuação valham para todos os participantes, pois o objetivo é o crescimento do mercado com a atração de novos competidores.
Hoje a Petrobras aproveita sua posição dominante, praticamente monopolista de fato, no setor de gás natural, para praticar preços de forma discricionária. A empresa é responsável por mais de 80% da produção, por 100% da importação e é detentora de toda a infraestrutura de transporte, tendo participação em 23 das 26 concessionárias estaduais de gás canalizado. Ainda controla a produção e os preços dos combustíveis substitutos e, muitas vezes, pratica preços abaixo do mercado internacional, retirando a competitividade do gás natural.
Além dos consumidores em geral, o grande prejudicado com a falta de planejamento e de uma política de longo prazo para o setor energético brasileiro é a indústria nacional. Somente este ano o custo da energia elétrica aumentou mais de 50%, decorrente da recomposição do represamento imposto pela MP 579; e o gás natural, mais de 20%.
O Plano de Negócios traz os ativos a serem vendidos. Nas áreas de gás e energia, destaca-se a venda da Transportadora Associada de Gás S.A. (TAG), empresa transportadora de gás natural, onde a Petrobras é operadora e detém a totalidade das ações. A TAG possui uma malha de gasodutos de aproximadamente 6,5 mil km de extensão, com capacidade para transportar aproximadamente 70 milhões de m³/d no Brasil.
A venda do controle e a entrada de um novo operador na TAG é o pontapé fundamental para o processo de desverticalização ocorrer de fato no setor. Com um transportador independente, sem vinculação com qualquer outra atividade ou agente do setor, a tarifa de transporte estaria, então, também desassociada de qualquer outro interesse. Desta forma, o principal objetivo do transportador seria ocupar o máximo da capacidade dos dutos, respeitando os limites legais e técnicos, aumentando assim a oferta de gás natural, proporcionando uma maior competição entre gás nacional e gás importado, na medida em que induz a uma redução da tarifa de transporte.
[su_quote]Além dos consumidores em geral, o grande prejudicado com a falta de planejamento e de uma política de longo prazo para o setor energético brasileiro é a indústria nacional[/su_quote]
Outro ativo a ser vendido é a participação da Petrobras nas distribuidoras de gás estaduais. Também aqui faz enorme diferença a modelagem de venda. É importante que se ache uma solução que permita a venda de controle desses ativos. Em qualquer caso, participações minoritárias, sem a possibilidade de gestão, não agregam nem valor nem eficiência, podendo atrair sócios de baixo comprometimento com o setor, e não cumprem nenhum dos objetivos da privatização.
Enquanto países como os Estados Unidos e a China se dedicam a uma política mais abrangente para fornecer à indústria um gás mais competitivo, o Brasil vai contra a maré. É o que fica evidente pela forma de venda dos ativos da Petrobras: sem planejamento, sem definição do que se quer para o setor de gás natural neste país. Uma oportunidade perdida.
*Elena Landau é advogada.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 7/8/2015
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