Austeridade, dívida pública e crescimento econômico
Por Pedro Cavalcanti Ferreira, João Victor Issler e Roberto Castelo Branco*
Governos que não observam a responsabilidade fiscal acabam compelidos pelos mercados a adotar políticas fiscais contracionistas em meio a recessões, o caso atual do Brasil. Adicionalmente, a indefinição quanto ao programa de ajuste amplia as incertezas provocadas pelo desequilíbrio fiscal, o que magnifica a instabilidade macroeconômica.
A dívida pública bruta como proporção do PIB se elevou significativamente, devendo chegar a 66,5% em 2015 e pode atingir 80% em 2018, o que levanta dúvidas sobre a sustentabilidade no longo prazo. No Brasil o que mais se parece a uma garantia de sustentabilidade da razão dívida/PIB é a meta de superávit primário. Tomada ao pé da letra, deve-se gerar um superávit pelo menos igual ao serviço da dívida, evitando que nos endividemos para servi-la, o que seria insustentável no longo prazo. Infelizmente, trata-se de uma proteção bastante frágil.
Dada a meta de superávit primário de, por exemplo, 5% do PIB, hipoteticamente podemos atingi-la arrecadando 99% e gastando 94% do PIB ou arrecadando 25% e gastando 20%. Na primeira opção, o PIB será bem menor, pois o governo toma 99% do produto do setor privado! Logo, a meta não limita o gasto publico, só a diferença entre arrecadação e gasto.
[su_quote]O sucesso de um programa de ajuste fiscal é medido pela capacidade em reduzir déficits e a relação dívida pública/PIB com o mínimo de custos sociais[/su_quote]
Apesar do uso da regra tender a reduzir o numerador da razão (a dívida), também pode diminuir o denominador (PIB) ou sua taxa de crescimento, o que dificulta a estabilização da razão dívida/PIB. Idealmente, deveríamos buscar regras que reduzam o numerador (dívida) e aumentem o denominador (PIB).
Estudo de Issler e Lima (Journal of Development Economics, 2000) para o período 1947-1992 já revelava que os gastos do governo brasileiro têm comportamento exógeno vis-à-vis ao da arrecadação. Além disso, dado um aumento inesperado do gasto, 89% do orçamento é reequilibrado usando-se os impostos correntes e futuros e apenas 11% via cortes de dispêndios.
Num ambiente em que os gastos saem facilmente do controle e os contribuintes são convocados a fazer um crowdfunding involuntário, não surpreenderia a ninguém a trajetória da carga tributária brasileira: de 23% do PIB em 1993 para 35,4% em 2014, muito superior à média das economias emergentes (29,1%) e dos demais Brics (28,4%).
O sucesso de um programa de ajuste fiscal é medido pela capacidade em reduzir déficits e a relação dívida pública/PIB com o mínimo de custos sociais. A literatura econômica, compreendendo estudos com variadas metodologias, aponta claramente que cortes de gastos públicos são muito mais bem sucedidos do que aumentos de impostos. A indiferença à composição do ajuste é concepção equivocada, pois os multiplicadores fiscais são bem distintos em valor presente: em situações semelhantes ao atual desequilíbrio fiscal brasileiro, cortes de gastos levam à expansão do produto real enquanto elevações de impostos levam à estagnação/contração do produto real.
Altas de impostos levam à redução de consumo e investimento privado e provocam distorções na alocação de recursos que penalizam a produtividade e o crescimento econômico. No Brasil, onde a carga é alta e a estrutura tributária é uma colcha de retalhos, este efeito tende a ser particularmente forte.
Em contraste, cortes de despesas se mostram capazes de mudar expectativas, o que afeta positivamente as decisões de consumo e investimento privado. A revisão de percepções leva à queda dos prêmios de risco e, consequentemente, dos custos da dívida pública.
A comparação entre resultados de ajustes fiscais recentes na Itália (aumentos de impostos) e Reino Unido (cortes de dispêndios) é bastante ilustrativa. A Itália sofreu três anos de recessão profunda (2012-14), enquanto o Reino Unido passou por recessão moderada seguida por forte recuperação desde 2013. Nas alternativas de política fiscal apresentadas pelo governo prevalece a visão contábil: a intenção é produzir superávit primário indiferentemente da composição, com preferência pelo aumento de tributação por ser o caminho mais rápido e fácil no curto prazo.
Ressuscitar a CPMF é prejudicial ao crescimento pois não elimina expectativas de que novos ajustes, talvez até maiores, tenham que ser realizados no futuro. É inevitável a sensação de déjà vu. O fim da CPMF em 2007 foi compensado por aumentos de outros impostos, o que não impediu que oito anos depois o governo demande mais recursos.
Embora a renda da Argentina relativa aos países ricos já viesse caindo há alguns anos, a criação por Juan Perón de um Estado infinanciável está na raiz do desastre de crescimento econômico desse país. Pequenos ajustes guiados por uma visão contábil nos levarão ao mesmo caminho, pois não reverterão a tendência explosiva do gasto público. É hora de despertar e mudar o atual regime de política econômica de viés estagnante.
Por fim, o que a moderna teoria (e a evidência empírica) nos ensina é que o ajuste fiscal como proposto aqui é apenas o primeiro passo em direção a taxas mais elevadas de crescimento. E para se gerar uma experiência de desenvolvimento que beneficie de forma permanente os mais pobres – observamos no momento a reversão de muitas das conquistas dos últimos vinte anos – a meta deve ser a redução dos gastos públicos combinada com reformas estruturais que estimulem ganhos de produtividade.
Nesse contexto, são prioritárias a ampla reforma do sistema educacional, com foco na qualidade e universalização para a primeira infância; a despolitização e modernização da administração pública; a maior abertura da economia ao comércio internacional de bens e serviços e a inserção do Brasil nas cadeias globais de suprimentos; a adoção de programa efetivo de investimento em infraestrutura e a revisão da regulação da energia e meio ambiente, entre muitas outras medidas. Há, portanto, muito a ser feito e pensar que tudo será resolvido com aumento de impostos é um engano que pode nos custar caro em termos de crescimento e principalmente de bem-estar social.
*Pedro Ferreira e João Victor Issler, da EPGE/FGV e FGV Crescimento; Roberto Castello Branco, da FGV Crescimento
Fonte: “Valor econômico”, 28/10/2015.
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