Suor, dinheiro ou talento: qual das opções é o ingrediente fundamental para uma economia de sucesso? Acertou quem respondeu talento. Em plena era da informação, o que conta pontos a favor da economia é habilidade, imaginação e conhecimento. “Durante a maior parte da história da humanidade o fator indispensável das economias foi o suor, ou seja, o trabalho humano. Já durante a era industrial do último século e meio foi o dinheiro, ou seja, o capital. Hoje é a criatividade”, diz John Newbigin, conselheiro da agência britânica Creative England e palestrante principal da mais recente edição da KES – Knowledge Exchange Sessions, que ocorreu em 24 de novembro, em São Paulo. No evento, ele discutiu um dos temas mais quentes no mundo dos negócios: a nova noção de “economia criativa” como parte determinante e crescente da economia global.
O termo já entrou para o vocabulário dos maiores executivos, empresas e governos do mundo, e foi criado para nomear modelos de negócios e de gestão para atividades, produtos ou serviços desenvolvidos a partir do capital intelectual, da criatividade ou do conhecimento de indivíduos. “À medida que as economias mundiais se tornam cada vez mais competitivas e produtivas, as chaves do seu sucesso econômico passam a ser a sua genialidade e as habilidades individuais”, diz Newbigin. Em entrevista para o site Caminhos para o Futuro, o empresário cultural, que também é Assessor Especial do Governo do Reino Unido, fala sobre como os elementos da tradicional indústria criativa começam a ultrapassar seus campos originais de atuação e a desempenhar um papel cada vez mais importante para promover a inovação e o crescimento em outros segmentos da economia.
CPOF: Qual é a origem da economia criativa?
Newbigin: É uma mistura de valores econômicos e culturais. Ela se deu quando as antigas tradições do trabalho cultural e industrial começaram a ter vínculos com uma gama mais ampla de atividades produtivas modernas, como a publicidade, o design de roupa, o desenho gráfico e a mídia. E, mais importante, quando passaram a ter maior abrangência, com o poder da tecnologia digital.
CPOF: Como a economia criativa se diferencia de outros setores da economia?
Newbigin: Justamente pelo mix cultural e econômico. Esta ampla e complexa herança cultural a destaca. De fato, a atividade cultural não esteve incluída como um componente da economia durante boa parte da história. Abrangia aquelas atividades às quais as pessoas se dedicavam quando deixavam de trabalhar, mas que não faziam parte da sua vida laboral. Inclusive hoje, as indústrias criativas são expressões do valor cultural e econômico.
CPOF: Por que a economia criativa é difícil de ser medida?
Newbigin: Além do valor de troca e do funcional, a maioria dos produtos, serviços ou atividades criativas carregam um valor agregado, ou seja, um significado cultural que pouco ou nada tem a ver com os custos da sua produção ou utilidade. Em longo prazo, esse valor pode diminuir (no caso de um produto da moda, por exemplo, pode se tornar obsoleto) ou aumentar (no caso de uma obra de arte ou ideia, se tornar ainda mais valiosa).
CPOF: O Brasil está entre os maiores produtores de criatividade do mundo. Ainda assim, o tema está começando a ganhar mais força agora. Qual a importância de falar sobre o assunto?
Newbigin: Se não for o primeiro é o segundo setor que mais cresce no mundo, e o que gera empregos com mais rapidez atualmente. A economia criativa precisa ser discutida em todos os países, mas com ênfase no Brasil. Aqui há diversas questões pendentes que necessitam ser abordadas nas grandes cidades e em relação ao desemprego dos jovens. O engajamento criativo e a valorização das indústrias criativas podem incentivar os recém-formados a desenvolver novas competências e a gerar novas ideias, o que os faria repensar a forma de executar e gerenciar as empresas e, quem sabe, até mesmo o governo. Então, além da importância global, há uma relevância específica para o Brasil.
CPOF: Os millennials foram a geração mais criativa até hoje – e a que está com maior dificuldade em se colocar no mercado de trabalho brasileiro, que parece ainda valorizar o suor. Qual a sua opinião?
Newbigin: Se a indústria não atrai profissionais do calibre certo, algo tem de acontecer: ou ela precisa pagar mais ou inovar e se tornar mais criativa. De qualquer forma, em poucos anos, a robotização vai tomar conta das indústrias, o que vai diminuir o custo da mão de obra em 90%. O desemprego, logicamente, vai aumentar. E com ele a discrepância social e econômica. É aí que entra a importância da indústria criativa, e o motivo pelo qual precisamos investir nela desde já. Nesse cenário, os novos empregos e carreiras que forem criados exigirão habilidades puramente criativas. Se hoje as empresas e os empregadores não valorizam esse tipo de funcionário, pagam um salário baixo ou o dispensam, em breve tudo isso mudará. No mundo inteiro se concebe a economia criativa como uma parte determinante e crescente da economia global. Os governos e os setores criativos estão dando cada vez mais importância ao papel que ela desempenha como fonte de empregos, de riqueza e de compromisso cultural – e no Brasil não poderá ser diferente. Portanto, temos que ter um sistema de educação – ou, se preferir, uma filosofia de vida – que possibilite o desenvolvimento de habilidades e talentos criativos que trabalhem a imaginação e a concentração dos jovens. É preciso prepará-los para empregos que sequer existem.
CPOF: Há como acelerar esse processo no Brasil?
Newbigin: A cultura de um país define seu sucesso ou fracasso econômico. Provar que é preciso investir em indústrias criativas, e que talento hoje tem mais valor do que suor é um processo muito lento. No Reino Unido esse trabalho já dura 15 anos: foram necessários dez para convencer o governo e quase o mesmo tempo para envolver as empresas. Talvez aqui demore mais. Porém, a partir do momento em que ambos começam a compreender, o sistema de educação começa a mudar. Chegamos a um momento no Reino Unido em que os empregadores estão reivindicando funcionários mais criativos e inteligentes. Essa necessidade vai bater no sistema de educação, que vai reagir. Não dá para simplesmente decidir mudar a educação e esperar um resultado da noite para o dia. E entendo que isso é difícil no Brasil também. Mas a reação em cadeia é a mesma: é preciso existir uma pressão do mercado de trabalho em cima da educação por falta de funcionários qualificados, e ambos devem pressionar o governo: o sistema educacional deve exigir qualidade, e o mercado informações sobre o impacto que essas indústrias têm sobre a economia. Essas informações e esses dados, se não forem levantados pelo próprio governo, podem ser obtidos por centros de pesquisa ou universidades, e devem mostrar que a indústria criativa gera emprego e renda.
CPOF: Pessoas criativas impulsionam a inovação. E inovação no Brasil ainda é temida, vista como risco…
Newbigin: A criatividade é um processo disruptivo que questiona os limites e os pressupostos estabelecidos. Nos leva a pensar além dos limites. O que define a inovação é o link entre o livre fluxo das ideias criativas com as realidades práticas da vida econômica, ou seja, a capacidade de avançar de uma forma sistemática. A criatividade impulsiona a inovação e a inovação impulsiona mudanças. Uma das características mais distintivas das indústrias criativas é que nelas a inovação constante de produtos, processos e métodos é a regra, não a exceção. De fato, no mundo inteiro existe um interesse crescente para ver até que ponto esse marco conceitual da inovação pode se aplicar a outros setores da economia, o que tornaria as indústrias criativas catalizadoras de mudanças mais amplas e essenciais. Se o país tem uma mentalidade conservadora e acredita que criatividade e inovação são sinônimos de startup e rebeldia, é preciso começar com mudanças pequenas, internas. Talvez fazendo corporate ventures, em que grandes empresas investem em startups como estratégia de inovação. É um pequeno passo adiante dentro da indústria criativa.
CPOF: Uma economia mais criativa poderia ter evitado uma crise econômica tão violenta no Brasil?
Newbigin: Uma economia mais criativa não teria prevenido a crise econômica, que impactou o mundo todo, não apenas o Brasil. Mas está provado que para sair da crise, indústrias criativas crescem mais rápido e exigem menos investimento de capital do que outros negócios. Então, são uma excelente maneira de conduzir uma empresa, e também um país para fora de qualquer dificuldade.
Fonte: Época Negócios, 02/12/2015
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