Quis o destino que o país comemorasse os 50 anos de Brasília – esse monumento à megalomania e ao romantismo perdulário – no dia seguinte ao leilão da Hidrelétrica de Belo Monte. O Brasil não aprende mesmo. O surto de arrumação da casa iniciado nos anos 90, pelo visto, será soterrado pela vocação brasileira para a falência. Você já deveria ter se acostumado: quando ouvir um governante falar em Brasil Grande, segure a carteira.
Não é o caso de entrar na discussão ecológica sobre a usina amazônica, ou na guerra particular entre a burocracia verde e a burocracia vermelha. Muito menos discutir o que James Cameron veio fazer por aqui. A questão é quem vai pagar o presentinho de Lula para Dilma Rousseff, seu avatar – ou “evitar”, segundo os maldosos.
Após 21 anos de polêmica, Belo Monte foi leiloada às pressas, de qualquer jeito, basicamente para que a “mãe do PAC” não ficasse de mãos abanando no Dia das Mães. Como se sabe, o PAC é uma colagem virtual de previsões orçamentárias. Há um pouco de tudo na Profecia de Aceleração do Crescimento, até obras reais. Elas representam, no banquete cabalístico de R$ 500 bilhões, a gorjeta do garçom. Lula jogou na marra a hidrelétrica dentro do pastel de vento do PAC, para dar ao freguês a sensação de que está mastigando alguma coisa.
O presidente tomou essa decisão temerária respaldado, solidamente, em seu alto conselho de bajuladores. Todos lhe disseram que a ideia era extraordinária (adjetivo preferido do chefe). Só faltou a consulta ao único ministério que Lula não criou, sugerido certa vez por Chico Buarque: o Ministério do Vai dar M…
Para dar à luz a usina gigante, cuja penca de problemas pendentes a torna um projeto antieconômico, veio a solução mágica. Montagem de um consórcio fajuto em torno de uma estatal, para ganhar o leilão oferecendo uma tarifa de energia camarada – leia-se deficitária –, levando R$ 6 bilhões em renúncias fiscais, financiamento de pai para filho do BNDES e outros favores da DisneyLula. Já entendeu quem vai pagar, para o resto da vida, o brinquedinho eleitoral de Dilma?
O país precisa aumentar sua capacidade energética, crescer, se desenvolver. Mas esse negócio de planejar e fazer as coisas direito dá um trabalho danado. E demora. Assim nasceu Brasília, um devaneio dos aspirantes a faraó na era JK. O Brasil acha que um presidente bonzinho pode tudo, inclusive decretar almoço grátis para todos.
Os brasileiros estão pagando até hoje a Bolsa Arquitetura de Juscelino Kubitscheck, cuja vaidade monumental determinou que “sua” capital da República fosse uma espécie de morada dos deuses. Os deuses não só se recusaram a morar ali, como armaram um cinquentenário diabólico para a cidade, promovida a capital nacional da corrupção com a prisão inédita de um governador. Talvez seja uma metáfora divina para nos dizer o óbvio: o Brasil Grande é caso de polícia.
A pendura de R$ 30 bilhões do monstro de Belo Monte é a consagração da irresponsabilidade. O falso dilema entre natureza e progresso esconde a ignorância administrativa. Zomba da evidência de que o problema não é fazer uma hidrelétrica na Amazônia, mas afundar as finanças públicas num projeto inacabado, economicamente trôpego, gerencialmente bêbado.
A mania de grandeza, um mal atávico brasileiro, está na moda de novo. Lula encarna com perfeição esse pretenso (e estranho) salto da humildade para a majestade. Ninguém o detém em seu sonho infantil de polarizar com os Estados Unidos, que o leva a bravatas perigosas, como o abraço já longo demais ao obscuro presidente iraniano.
Não deixa de ser coerente a condecoração da primeira-dama Marisa Letícia com a grã-cruz da Ordem de Rio Branco, mais alta comenda da diplomacia brasileira. Enquanto o povo der corda, o céu será o limite. Se bem que o céu nem é tão alto assim…
Fonte: Revista “Época” – 26/04/10
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