Claudeomir Padre Lemos vestia uma camisa social branca, tinha cabelos bem aparados e barba feita. Compareceu à Zona Eleitoral 135 de Goiânia no dia 2 de abril de 2013 para tirar um título de eleitor. Naquele dia, ele era outra pessoa: Claudionor Ramos Silva. Posou para foto com o cenho franzido, sem esboçar sorriso. Queria parecer diferente das outras vezes que compareceu ali para se registrar como eleitor. Esse mesmo ritual já havia sido repetido por ele pelo menos outras 50 vezes em cartórios eleitorais do estado de Goiás. Corria o risco de ser reconhecido. Claudeomir e pelo menos outros sete integrantes de sua família fraudaram documentos para obter títulos de eleitor, com nomes e dados falsos, em cartórios eleitorais de Goiás, onde moram. Apesar da criatividade ao posar para a foto, a fraude foi descoberta – e os títulos falsos foram cancelados.
O caso da família Lemos não é isolado. Uma investigação realizada pela Polícia Federal e pelo Ministério Público, junto à Justiça Eleitoral, descobriu 19 mil casos em que há duplicidade ou pluralidade de registros até julho deste ano. Quer dizer que, para uma mesma biometria, existem dois ou mais eleitores cadastrados.
Um levantamento manual no cartório onde Claudeomir se registrou deu as primeiras pistas das falsificações praticadas por ele e sua família. Ao cruzarem dados de endereços de residência, cidade de nascimento e filiação, os investigadores concluíram que oito pessoas do clã tinham 75 inscrições fraudadas – eram, para a Justiça Eleitoral, 75 eleitores diferentes.
Com a suspeita levantada, faltava saber a identidade exata do falsificador. Entraram nas buscas o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Instituto Nacional de Identificação (INI), com o trabalho de verificação biométrica. Chegaram então a Claudeomir. Descobriram mais: ele havia comparecido a outras três zonas eleitorais para fazer cadastros. Sozinho, obteve ao menos 51 documentos falsos.
No Brasil, mais de um terço dos eleitores – 49,9 milhões em um universo de 146 milhões – tem cadastro biométrico. Dos 5.568 municípios do país, 1.540 contarão com o voto biométrico na eleição deste ano. Outros 840 terão um sistema híbrido. Todos os dias, o sistema do TSE faz uma varredura em 200 mil registros biométricos. Se alguma inconsistência é encontrada, a informação é enviada aos órgãos investigadores. Os documentos são cancelados até que as incoerências sejam esclarecidas.
Com as mudanças na lei eleitoral, o TSE está em alerta. Agora que o financiamento de campanha ficou restrito a doações de pessoas físicas, excluindo as empresas, há o risco de uma proliferação de CPFs falsos – a multiplicação de identidades que sirvam como “laranjas” para fraudar doações de campanha.
O presidente do TSE, ministro Gilmar Mendes, tem defendido que as eleições deste ano serão “um experimento institucional”, em razão das novas regras. Adotou uma postura crítica em relação ao modelo que proíbe as doações privadas. Ele diz que as doações de pessoas físicas facilitarão um modelo mais amplo de fraude – o que apelidou de “laranjal”.
O TSE tem hoje 118 sistemas para evitar fraudes eleitorais – do processo de cadastramento do eleitor, passando para os doadores, fornecedores a outras informações dos candidatos. “Foca-se muito na urna eletrônica, mas para revisar uma eleição são desenvolvidos mais de uma centena de projetos”, diz Giuseppe Janino, secretário de tecnologia da informação do TSE.
Como as novas regras exigem que os candidatos apresentem informações sobre arrecadação e custos de campanha a cada 72 horas, a Corte eleitoral resolveu se valer de convênios com o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Receita Federal. Até 2 de outubro próximo, data da eleição municipal, divulgarão dados relativos à corrida toda semana. Até agora, foram encontradas ao menos 16.182 inconsistências entre doadores e fornecedores.
O pente-fino do TSE desnudou algumas situações curiosas. Uma delas ocorreu no Ceará. Todos os 62 empregados de uma empresa privada desembolsaram R$ 1.000 cada um para dois candidatos rivais – cada político embolsou R$ 34 mil. Na série de incoerências mórbidas, o Tribunal chegou a 64 doações eleitorais realizadas por pessoas que já morreram, num total de R$ 103 mil. Houve ainda os repasses feitos a candidatos e partidos por pessoas pobres, como os 10.341 beneficiários do Bolsa Família que ofereceram R$ 9,1 milhões às campanhas até 12 de setembro. Não falta criatividade aos fraudadores.
Época.
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