O Brasil gasta mal os recursos aplicados em saneamento. Levantamento do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da FGV mostra que 46% das 851 obras contratadas com recursos do FGTS no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) não foram concluídas, estão paralisadas ou sequer foram iniciadas. A ineficiência da gestão dos recursos, aliada à má qualidade dos projetos de engenharia e a dificuldades na obtenção da titularidade dos terrenos estão entre as razões para um índice tão elevado de contratos em situação inadequada, avalia o levantamento.
Os 851 contratos avaliados foram firmados entre 2007, quando foi lançado o PAC, e 2015. Foram destinados R$ 28,6 bilhões em financiamento com recursos do FGTS para essas obras. Desse montante, R$ 17,5 bilhões foram para contratos (398) cujas obras estão pendentes. A falta de capacitação técnica dos funcionários das companhias estaduais de saneamento e a lentidão dos processos de licenciamento também são apontados pelas pesquisadoras como motivos que levam à baixa execução das obras.
Avanço lento nos índices
Para a engenheira sanitarista Irene Altafin, uma das autoras do estudo, os números mostram que não é apenas a falta de recursos que impede o Brasil de avançar na universalização dos serviços de água e esgoto.
— Com o PAC, tivemos um salto nos recursos disponíveis para saneamento, embora eles ainda não sejam suficientes para atingir a meta de universalização do país. Mesmo assim não avançamos tanto na cobertura do serviço. Faltam recursos e falta gestão, os gastos não são feitos de forma eficiente — diz a engenheira.
Nos cálculos de Irene, entre 2004 e 2007, o Brasil aplicava R$ 3,5 bilhões por ano, em média, em projetos de saneamento. De 2007 para cá, o volume destinado à área mais que dobrou: subiu para uma média anual de R$ 8,9 bilhões. Ainda assim, abaixo dos R$ 15 bilhões anuais que, estima-se, sejam necessários para cumprir a meta definida no Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab).
O Plansab foi criado em 2013 e prevê que a universalização no atendimento de água seja atingida em 2033. No caso do esgoto, a meta é que, até lá, 93% dos resíduos coletados sejam tratados. O retrato do Brasil hoje é bem diferente, e o avanço desde que o PAC foi lançado é considerado extremamente lento pelos especialistas.
Em 2014, últimos dados disponíveis, a água chegava aos domicílios de 83% da população brasileira, segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento. Em 2007, esse percentual era praticamente o mesmo: 81%. Quanto ao esgoto, 40% eram tratados em 2014, um pouco mais que os 34% que eram tratados sete anos antes.
— O avanço na cobertura foi muito lento para um aumento tão grande no volume de recursos — atesta a economista Raquel Soares, que também assina o estudo.
Investimento em capacitação
Para Irene, um dos pontos fundamentais para melhorar os gastos com saneamento é aprimorar os projetos de engenharia que norteiam os investimentos. Além disso, a pesquisadora salienta que é preciso capacitar os funcionários das empresas de saneamento, em sua maioria, controladas por governos estaduais, de modo que possam gerenciar as obras adequadamente:
— As companhias de saneamento contratam uma empresa para executar as obras, mas o corpo técnico dessas companhias têm que fiscalizá-las e gerenciá-las. Eles precisam de capacitação. Acredito que os recursos destinados à área de saneamento devam ser usados também para o fortalecimento institucional, não apenas para a expansão da rede.
Irene e Raquel afirmam que há sinais de que a iniciativa privada executa as obras com mais rapidez. No entanto, ressaltam não ser possível fazer uma “análise consistente” sobre as diferenças entre os setores público e privado quanto ao uso dos recursos, pois apenas 60 dos 851 contratos estudados são de empresas privadas. A análise dessas diferenças será objeto de um estudo futuro.
Conceder empresas estatais de saneamento à iniciativa privada é um dos objetivos do governo Michel Temer. Três delas — Cedae (RJ), Caerd (RO) e Cosanpa (PA) — foram incluídas no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI). No caso do Rio, porém, há divergências sobre o modelo de concessão entre o governo e o BNDES, que coordena o programa em nível estadual.
Fonte: “O Globo”.
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