A crise de 2008-2009 entrará para a história como momento ímpar de coordenação econômica entre países, na busca de medidas para evitar uma nova Grande Depressão. Foi essa necessidade que deu ao G-20 a atual proeminência, assim como uma maior influência dos emergentes em fóruns internacionais de coordenação de políticas. Conforme o mundo deixa o pior da crise para trás — o Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê que esse cresça 3,3% este ano, contra uma queda de 2,3% em 2009 —, essa influência tende a se manter, mas agora porque os emergentes são a nova locomotiva do crescimento global.
Isso reflete as diferenças na saída da crise entre países ricos e em desenvolvimento. Assim, enquanto esses foram afetados apenas pelas repercussões de segunda ordem da crise nas economias centrais, problema superado com respostas tradicionais de política econômica, os primeiros têm hoje de lidar com os efeitos colaterais dos remédios tomados para lidar com a falência dos bancos e a queda da demanda privada: elevados deficits públicos e uma dívida estatal alta e crescente. Isso se reflete na previsão do fundo de que as economias avançadas crescerão este ano 2,3%, contra 6,3% nos países emergentes.
A China se destaca pelo seu papel na superação da crise e pela dependência que o mundo passou a ter do seu dinamismo, reproduzindo, em menor escala, a função antes exercida pelo consumidor americano. Em 2010, segundo o FMI, a China responderá por 28% do aumento do PIB mundial, medido este em paridade de poder compra. Vários países da Ásia, incluindo o Japão, e da América Latina passaram a ter na China importante destino de suas exportações, de forma que qualquer problema nesse país se reflete rapidamente nas suas economias domésticas.
Como outros países que saíram com rapidez da crise, a China hoje tem de reduzir os estímulos anormalmente fortes de política econômica adotadas em 2008-2009 — juros baixos, aumentos do gasto e do crédito público — para evitar o sobreaquecimento da economia e a aceleração da inflação. No primeiro trimestre, o PIB chinês cresceu 11,9%, com a inflação de preços ao consumidor batendo em 2,4% em março e nos preços de atacado a 5,9%, sempre comparando com um ano antes.
É, portanto, uma situação parecida com a brasileira, em termos de pressão inflacionária e sobreaquecimento da economia. Há, porém, duas diferenças importantes. Primeiro, a legitimidade política do governo depende mais do desempenho econômico, tanto no sentido de produzir elevado crescimento como de garantir uma baixa inflação, num país em que a pobreza é mais generalizada e os alimentos uma parcela mais alta do consumo. O governo já vem apertando a política monetária, mas há receio de que um aperto excessivo possa descarrilar a recuperação econômica. O FMI acredita que o crescimento do PIB deve desacelerar para 10%, enquanto a inflação fecharia 2010 em 3,1%.
Segundo, a China foi mais longe que o Brasil nas políticas de estímulo, com forte aumento do investimento, financiado por uma alta recorde de empréstimos. Isso deixou legado de problemas. Vários projetos financiados pelos bancos não são financeiramente solventes, já que sua capacidade de gerar receitas é inferior ao serviço da dívida, como em vários projetos de infraestrutura — estradas, parques etc. Se os governos responsáveis não conseguirem honrar essas dívidas, os bancos terão aumento considerável da inadimplência, ou o governo central terá de intervir, impactando negativamente as contas públicas.
A elevada liquidez e, até o início do ano, as regras de estímulo à construção levaram a uma forte alta no preço de imóveis, em especial nas maiores cidades chinesas. A preocupação em evitar uma bolha imobiliária e em que isso dificultasse o acesso à moradia pelas famílias necessitadas levou à adoção de rigoroso pacote de medidas, elevando a entrada mínima para a compra de imóveis e a taxa de juros em empréstimos imobiliários, e proibindo mesmo a compra de imóveis por não residentes nas cidades. A expectativa é que essas medidas reduzam consideravelmente as vendas e os preços de imóveis. Mas há a preocupação de que a retração do setor — cuja cadeia de produção é uma das mais importantes da economia — termine por gerar uma desaceleração muito forte do PIB.
Como se vê, a situação na China vai bem, mas os riscos são elevados. O país pode ser uma fonte adicional de volatilidade numa economia global já bastante agitada pela frágil situação fiscal dos países ricos.
Fonte: Jornal “Correio Braziliense” – 05/05/2010
No Comment! Be the first one.