Os economistas e outros cientistas sociais intuíram, há bastante tempo, que a grande maioria dos humanos age prioritariamente na busca de seus próprios interesses, contando para isso com as informações que muitas vezes somente cada um detém. Esta suposição é a base de boa parte da economia política, desde Adam Smith.
Por outro lado, os intervencionistas assumem em suas análises que eleitores e funcionários do governo, diferentemente dos demais seres humanos, são motivados exclusivamente pelo interesse público, e não por seus interesses particulares. Ou seja, a mesma pessoa que, no âmbito privado, agiria no sentido de buscar seu próprio bem estar, seria ungida com a sabedoria infinita no momento de votar, ou com o conhecimento enciclopédico e o desapego total pelos seus próprios interesses, quando empossado em algum cargo público.
A consequência infeliz dessa verdadeira esquizofrenia é uma ingênua e quase ilimitada confiança no governo. Ora, como quaisquer mercados sempre serão imperfeitos, os crédulos e os oportunistas, cada um ao seu modo, dedicam-se a construir modelos econômicos onde o governo pode corrigir eventualmente qualquer problema. Afinal, por que tolerar uma realidade cheia de imperfeições se você pode contar com os bons préstimos de um autêntico deus, onipresente, onisciente e dotado de infinita sabedoria?
Diferentemente dos intervencionistas, os liberais perceberam que muito do que governo faz (e não faz) reflete simplesmente a ineficiência pessoal e o auto-interesse de seus servidores, funcionários e mandatários, além, é claro, dos eleitores — é ingênuo pensar que a maioria vota pensando no bem comum e não em interesses particulares.
Uma vez que seus cargos podem lhes conceder muitas regalias, poder e prestígio, o objetivo principal da maioria dos políticos e funcionários públicos é tirar deles o máximo proveito, bem como mantê-los pelo maior tempo possível. Eles sabem também que tirarão maior proveito de seus cargos através da concessão de favores a grupos de interesse do que fazendo o que é certo para interesse público. Roberto Campos tinha uma frase genial que resumia muito bem isso: “O governo não passa de um aglomerado de burocratas e políticos, que almoçam poder, promoção e privilégios. Somente na sobremesa pensam no bem comum.”
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Isso não quer dizer, evidentemente, que as decisões e ações do governo serão sempre equivocadas. Existem, sim, ilhas de eficiência, abnegação e lucidez em meio a um mar de ineficiência, oportunismo e inépcia, mas não se pode jamais transformar exceções em padrão de qualidade, como pretendem muitos.
É absurdo, da mesma forma, querer justificar a ineficiência e/ou abusos governamentais com base na existência de eventuais ineficiências/abusos do setor privado. Afinal, nossas relações no mercado são voluntárias, enquanto com o governo são impostas, sem qualquer alternativa possível. Se eu sou mal atendido num restaurante, banco ou loja comercial, simplesmente não volto mais lá. Escolho outro fornecedor que me trate melhor. Porém, se o mesmo ocorre numa agência do governo, não tenho escolha, senão continuar pagando impostos e financiando a ineficiência.
Os intervencionistas defendem, romântica e equivocadamente, que o problema não está no governo em si, mas nas pessoas que ocupam o poder. Segundo esse raciocínio, se colocarmos as pessoas certas nos postos certos, tudo dará certo. Como bem inferiu Lawrence Reed, talvez um dia, quando essa verdadeira esquizofrenia for sepultada para sempre, a definição de “intervencionista” nos dicionários passe a ser: “Alguém que não entende nada sobre natureza humana, economia ou experiência e repete os mesmos erros seguidamente, sem nenhum cuidado com os direitos e a vida das pessoas que ele esmaga com suas boas intenções.“
Para piorar ainda mais as coisas, e como muito bem argumentou Hayek, no capítulo de “O caminho da servidão” intitulado “Por que os piores chegarão ao topo”, os indivíduos sem escrúpulos provavelmente serão os mais bem sucedidos em qualquer sociedade em que o governo é visto como a resposta para a maioria dos problemas. Esses são precisamente o tipo de indivíduos que elevam o poder acima da persuasão, a força sobre a cooperação.
Como dizia Bastiat, seria ótimo se os servidores públicos e os políticos, ao assumir seus cargos, fossem ungidos por Deus com as virtudes irrestritas da sabedoria, da honestidade, da abnegação, da lealdade, do altruísmo, além de vacinados contra os vírus altamente infecciosos da lambança, do egoísmo, da arrogância e da vaidade. Como a realidade, infelizmente, é muito diferente disso, a melhor receita ainda é a liberal, que consiste em restringir ao mínimo o poder concedido ao Estado e, consequentemente, aos seus (muito) humanos servidores.
Fonte: Instituto Liberal, 10 de abril de 2017.
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