A temporada de programas de trainee está aberta, mas ela está um pouco diferente este ano. Junto aos inúmeros programas de recrutamento voltados para profissionais recém-saídos da universidade, alternativas similares tentam fugir do nome que virou sinônimo de prestígio entre os jovens, encurtam o tempo de programa e por isso buscam profissionais que já tenham alguma experiência de trabalho.
Com processos seletivos altamente concorridos, os programas de trainee são a menina dos olhos de profissionais que deixam as melhores universidades do país. A promessa é de um salário bom – um levantamento recente da Love Mondays apontou que ele fica, em média, em R$ 3 mil, mas pode passar dos R$ 6 mil nas empresas com remuneração mais atraente – e a perspectiva de sair do programa de desenvolvimento de um ou dois anos ocupando um cargo de liderança.
Muitas vezes, no entanto, a expectativa de terminar o programa ocupando uma posição de liderança não se torna realidade por conta das necessidades operacionais das empresas – o que pode frustrar alguns jovens, explica Mili Haji, gerente de projetos da Cia de Talentos, que desenvolve esses programas de recrutamento. Ela vê uma tendência de companhias diminuírem a duração dos programas de 24 para 12 meses, o que exige uma aceleração na formação dos profissionais. “Dificilmente a empresa consegue, em um ano, formar um profissional que já seja responsável por equipes”, diz.
A saída tem sido ampliar a exigência nos requisitos, pedindo pelo menos um ano de experiência profissional, o que pode incluir o estágio. Na Cia de Talentos, esses programas foram batizados de “Jovens Profissionais”, para se diferenciar dos trainees. “São organizações que precisam de uma carreira mais acelerada e percebem que não vão ter dois ou três anos para formar o gestor”, diz. Hoje Mili vê esse tipo de programa sendo adotado por empresas que nunca chegaram a fazer programas de trainee ou testados em áreas específicas. Outras estão fazendo diagnósticos para avaliar se vale a pena trocar o trainee por ele.
A Movile, empresa de tecnologia dona do site iFood, expandiu neste ano o programa de estágio que promoveu nos últimos dois anos para incluir o recrutamento de jovens com formação universitária nos últimos dois anos e pelo menos um ano de experiência profissional. Durante os oito meses do programa, os profissionais passarão pela mesma área de todas as subsidiárias do grupo e eventualmente receberão uma vaga na que mais necessitar do seu perfil.
Segundo Luciana Carvalho, diretora da área de gente da Movile, as empresas do grupo têm atualmente uma necessidade em comum de contratar profissionais de nível pleno e especialistas. Com o programa combinado, a ideia é que esses novos profissionais tenham uma visão sistêmica do negócio. O programa, que recebeu 2.500 inscrições, está na primeira etapa de seleção presencial, e deve contratar ao menos 20 pessoas para fazerem parte da equipe da Movile, que hoje emprega 1.600 na América Latina. Luciana conta que a seleção está priorizando o perfil comportamental ao invés do técnico, e que os RHs de todas as empresas estão participando do processo. “Procuramos pessoas com forte senso de dono e perfil para assumir riscos”, diz. O programa de estágio volta a acontecer em janeiro.
Neste ano, a Gerdau substituiu o programa de trainee pelo “Gmakers” como parte da estratégia de transformação cultural pela qual a empresa passa desde 2014 – em janeiro, o grupo gaúcho terá um presidente de fora da família controladora pela primeira vez em mais de 100 anos. “Temos falado muito sobre inovação na maneira de fazer negócios, pensando na forma digital de trabalhar e em processos mais ágeis com resultados mais rápidos”, diz Flávia Nardon, gerente de desenvolvimento organizacional e de pessoas da Gerdau.
O programa, que recebeu 12 mil inscritos, vai recrutar pelo menos sete jovens com ao menos dois anos de experiência profissional – que, segundo Flávia, pode ter sido adquirida em uma grande empresa, uma startup ou no negócio próprio – e que tenham perfil inovador. Os selecionados passarão por um programa de desenvolvimento de seis meses feito com a escola de inovação Hyper Island e farão parte de projetos estratégicos da empresa para trazer uma visão diferente ao trabalho. “A ideia é conectar tecnologias da Gerdau com tecnologias de fora, criar soluções que a gente não tem mapeadas hoje”, diz Flávia.
Para evitar o choque de culturas entre os “makers” e o resto da empresa, o programa também vai selecionar funcionários internos com esse mesmo perfil, que formarão dois terços da turma total do programa, de 40 pessoas. Os gestores que trabalharão com esses profissionais, que já foram mapeados como pessoas com perfil aberto a esse tipo de novidade, também passarão pelo mesmo treinamento em inovação que os jovens. “A gente sabe do risco, e tem trabalhado nele desde o começo”, diz Flávia. O programa de trainee tradicional deve ser retomado no ano que vem, segundo a gerente.
A Comgás, parte do grupo Cosan desde 2013, promoveu neste ano a segunda edição do “Programa de Desenvolvimento Acelerado”, que busca jovens com alguns anos de experiência profissional para atuar em projetos ao longo de 10 meses. “Tentamos fazer um programa mais pé no chão do que o trainee”, explica a diretora de RH, Elisângela Martins. A empresa nunca teve programa de trainee e promove anualmente programas de estágio e de ‘summer job’, voltado para brasileiros que fazem faculdade no exterior.
Fortalecer os programas de estágio têm sido outra estratégia de empresas no lugar do trainee, diz Dario Neto, CEO da Eureca, consultoria voltada para a entrada de jovens no mercado de trabalho. “É muito custoso e difícil lidar com o trainee na cultura da empresa. Se você fortalece os programas de estágio e jovem aprendiz, eles podem ser um funil de talento”, diz.
Para Neto, também há uma mudança na percepção dos jovens do que significa entrar no mercado de trabalho ao ver, por exemplo, os casos de grandes empresas que criam programas de fomento a startups. “O jovem sabe que pode se plugar no ecossistema de um grande banco ou varejo dentro de uma empresa que ele fundou”, diz. Apesar de os trainees ainda serem uma porta de entrada atrativa, ele vê cada vez mais frustração com a cultura encontrada por eles e a dificuldade de ter autonomia nas grandes empresas.
A própria Eureca levou isso em consideração quando formulou o programa de recrutamento da Tarpon Investimentos, gestora que controla a Somos Educação e a Omega Energia. Voltado para jovens em início de carreira e sem exigência de experiência profissional, o programa foi intitulado “Jornada Empreendedora” e vai envolver as três empresas. No programa, o jovem terá contato com os dois negócios, diferentes tanto em atuação quanto em tamanho – o grupo de educação básica Somos tem hoje quatro mil funcionários, enquanto a empresa de energia eólica Omega emprega 130.
“O jovem hoje tem necessidade grande de experimentar e conhecer antes de tomar uma decisão. Aproveitamos essa sinergia cultural de ter o empreendedorismo como base e juntamos as empresas para fazer um programa mais atraente”, diz Izabella Mattar, gerente de ‘people and network’ da Tarpon.
Além do programa conjunto, a seleção será mais longa do que em programas tradicionais e se propõe a ser um processo de desenvolvimento para os participantes. Entre 22 de setembro e 15 de dezembro, o grupo receberá aulas, coaching e palestras com líderes das empresas. Ao fim, passarão três semanas dentro das companhias para desenvolver um projeto em grupo e apresentá-lo para os diretores.
Vinte e dois jovens participarão do processo inteiro, e o número de contratados vai variar de acordo com o resultado apresentado. “Podem ser dois ou podem ser todos. Temos a necessidade de trazer gente com perfil autônomo, com iniciativa e que tenha capacidade executiva. Por isso montamos um programa que nos ajudasse a identificar os jovens com essas características”, explica Izabella.
Fonte: “Valor Econômico”
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