Por: Carlos Fernando Souto, advogado
Há pouco, estive na região de Raleigh, na Carolina do Norte. Estive reunido do café da manhã ao almoço com um amigo com quem eu trabalhava no Brasil antes de ele se mudar para os EUA.
Há, na região, segundo ele estima, em torno de 2 milhões de pessoas. Não parece. É tanta arborização e as construções são tão espalhadas, que não se nota a existência de qualquer concentração urbana.
A paisagem é sempre repleta de árvores. São folhas de todas as cores e por todos os lados. Há muitos animais pelos parques. De tão belo, parece que há sempre uma música, de leve, tocando ao fundo. Os prédios são escondidos pela vegetação. Há bancos às margens dos lagos. Dá vontade de parar o tempo, sentar em silêncio e apenas curtir o sol.
Nossa reunião foi em uma das empresas que povoam o centro tecnológico que há na região. Os prédios mais parecem universidades. Há mesas de jogos. Há confortáveis poltronas, cadeiras e sofás espalhados por todos os cantos. Há restaurantes, cafeterias. Há salas grandes de reunião iguais às salas de aula das melhores escolas americanas. Há televisões. Há informação. Há reflexão. Há sempre espaço de sobra. Há sorrisos. Há bom clima. E não estamos na Califórnia.
As pessoas que nos cercavam nas mesas ao redor eram de várias partes do mundo. Os brasileiros que lá estão juram que nunca mais voltarão. Provavelmente outros estrangeiros pensem da mesma forma. Ouve-se línguas e vê-se estilos e expressões de todas as cores e origens. Pela janela, vê-se pessoas exercitando-se na hora do almoço. Há vestiários. Há segurança. Há graça. Há concentração. E os lugares em geral são funcionais e limpos.
Esse meu amigo comprou uma casa de mais de 05 quartos. Novinha. Com vários pisos. É enorme. É toda tecnológica. E fica a 15 minutos do trabalho. Paga 50 dólares por mês de condomínio. O terreno é imenso, com um gramado que se estende longe. O valor da parcela mensal do financiamento para a aquisição da casa é menor do que o condomínio que ele pagava no Brasil de um imóvel de qualidade inferior.
Quando ele me mostrou a foto da casa, estava com um misto de orgulho e vergonha no rosto. Não queria parecer que estava tripudiando. E não estava. Estava é com pena do Brasil e feliz com a difícil decisão de ter feito as malas e tomado esse voo para o futuro.
Seus carros são ótimos. E a história deles é muito parecida com a da casa.
Há tecnologia por todos lados. E funcionando bem. Aliás, tudo funciona bem.
No trabalho, há pressão. Tem de ser produtivo, tem de entregar, tem de correr muito. Os parâmetros são muito elevados. Não dá para curtir tantos benefícios sem, de outro lado e antes, agregar valor. Há de se trabalhar bem e muito. Essa é a contrapartida.
E essa é a ética que orienta essa sociedade. E é isso que nos diferencia.
Dreidre McCloskey disse há pouco em Porto Alegre, no Fronteiras do Pensamento, que o Brasil, por praticar políticas iliberais, vai levar em torno de 120 anos para alcançar a renda per capita dos EUA de 2016, enquanto o Chile, onde há políticas bem mais liberais, levará 20 anos.
E o que mais chocou foi o fato de ela ter dito que não importa dar educação para se construir o motor da prosperidade. O que importa, explicou, é dar liberdade. Liberdade para poder produzir, trabalhar, empreender e buscar realizar sonhos, inclusive o da própria educação.
Mais do que ter e prover educação, que é obviamente importante, há de se ter e assegurar um bom ambiente de negócios, o que significa diminuir a burocracia, as amarras públicas, as regulamentações, a instabilidade, as incertezas, as faltas de padrão.
Enquanto nos EUA há ótimos legados por todos os lados e de todos os tipos, no Brasil tudo é dirigido ao curto prazo e ao cerceamento da liberdade.
O atraso é nossa principal virtude. Acertamos no erro como poucos. E não só pela falta de qualidade em si, mas especialmente pelos vultosos custos incorridos na construção desses erros.
É um festival de desperdícios. De ideias e de recursos.
As estradas não dão conta. A geração de energia é insuficiente. Não há tratamento de esgoto. Não há água. Não há educação. Não há moradia. As obras públicas são caras e inacabadas. A corrupção está por todos os lados. Os poderes são mal constituídos. E caríssimos. A insegurança permeia as nossas vidas. Criminosos de todos os naipes dirigem o país, seja em Brasília ou nas favelas, nos presídios ou nas ruas.
A confusão entre o público e o privado funda a nossa ética. A confusão é a ética que nos orienta.
Em Porto Alegre, cidade onde vivo, há uma estátua exposta na entrada da cidade. É a estátua do laçador, que simboliza o gaúcho tradicional. É uma bela obra.
Logo que se passa pelo laçador há, no entanto, para quem chega, um outro monumento. É um viaduto inacabado. Jaz ali há anos. Por incompleto, motoristas são forçados a fazer um caminho mais longo e a usar uma via completamente esburacada e particularmente feia.
Sempre que chego de viagem e faço esse trajeto agradeço por não estar recebendo algum visitante. E lembro da teoria da vidraça quebrada (a desordem gera a desordem).
Todo o tempo, penso nos meus filhos.
O Japão recuperou-se de um tsunami que destruiu cidades e dizimou milhares de vidas em alguns meses. O nosso viaduto e os buracos das nossas ruas, entre tantas mazelas, sobrevivem ao tempo.
A população de Porto Alegre equivale à população da região de Raleigh. Mas Porto Alegre é a cara do Brasil.
Raleigh é de outro mundo. Mundo que não conhecemos e sequer acreditamos que exista.
O Rio Grande do Sul, por opção nossa, fica, infelizmente, bem longe da Carolina do Norte.
Nossas fronteiras vão muito além do pensamento.
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