O economista Edmar Bacha, um dos formuladores do Plano Real, fez críticas diretas ao seu partido, o PSDB, por não ter fechado questão em torno da reforma da Previdência. Para ele, a mudança é uma das bases de tudo que o partido sempre defendeu para a economia. Junto com outros integrantes do PSDB, os economistas Elena Landau e Luiz Roberto Cunha e o sociólogo Bolívar Lamounier, ele publicou uma carta às bancadas do partido no Congresso dizendo que negar apoio à reforma agora seria abandonar “todo o esforço nessa direção feito ao longo do governo Fernando Henrique Cardoso”. Em relação à eleição do ano que vem, disse que o primeiro pilar da campanha do PSDB precisa ser a ética.
Os parlamentares do PSDB estão pedindo mudanças no projeto de reforma da Previdência que reduzem ainda mais o alcance da proposta. Como o sr. está vendo isso?
Não estou acompanhando diretamente a tramitação. Mas fiquei muito preocupado, junto com meus amigos, quando vi, na semana passada, que o PSDB não estava querendo fechar questão com a reforma proposta. Isso é um absurdo. É uma coisa fundamental para o País, está na origem fiscal do Plano Real. É uma reforma que nós já tentamos, e perdemos por apenas um voto… A situação é terrível. O Brasil gasta por ano 12% do PIB com Previdência, o que é inacreditável para a estrutura etária da população. Gasta como a Bélgica, que tem três vezes mais velhos, proporcionalmente à população. Por qualquer projeção que você faça, não vai sobrar dinheiro para mais nada, com a população envelhecendo na taxa em que está.
Os parlamentares estão colocando a questão política na frente da questão econômica?
Nas conversas que venho tendo sobre a questão da Previdência, fico muito impressionado com o grau de ignorância que existe. Quantas vezes eu já ouvi que não tem déficit, porque impostos que deviam ir para a Previdência não estão indo para a Previdência, e eu respondo: imagine que tudo que você quer que fosse para a Previdência fosse para lá, como você iria financiar educação e saúde, por exemplo? As pessoas têm uma enorme dificuldade de entender essa questão orçamentária, impressionante como isso é tão abstrato.
Mesmo entre os parlamentares?
Pois é, é engraçado como falta essa percepção dos limites das finanças públicas, há uma crença subjacente de que o governo tem a capacidade de criar dinheiro. E os políticos veem a reação do eleitorado contra a reforma, aí eles ficam com medo. Eu não sei como é que a gente resolve isso, tem de fazer um esforço de comunicação.
Qual o risco de a reforma estar sendo tão modificada?
Vamos ter de fazer outra em 2019. Quando entrar um outro governo, vai ter de voltar com um pacote mais completo. Mas vamos votar esse agora, desde que haja a compreensão de que é uma porta de entrada, e não uma porta de saída. Precisamos dar esse impulso.
O sr. e outros economistas defenderam no meio do ano a eleição de Tasso Jereissati para a presidência do PSDB e a saída do partido do governo Temer. Na segunda-feira, porém, fechou-se acordo para o governador Geraldo Alckmin assumir a presidência do partido. Como o sr. viu esse movimento?
Eu preferia que o Tasso tivesse sido escolhido, desde lá atrás. Nosso movimento começou em agosto, quando enviamos uma carta para o Tasso e um manifesto pedindo a saída do governo. Em novembro, fizemos outra carta, com um pouco mais de substância, não só dando apoio ao Tasso, mas insistindo nos pontos anteriores, como a saída do governo, resolver o problema do Aécio (senador Aécio Neves, acusado de pedir R$ 2 milhões a Joesley Batista, da JBS), apresentar uma proposta de refundação programática e ética do partido. Mas a avaliação agora foi de que, se o partido fosse decidir o presidente no voto, ia implodir. Foi a avaliação que o próprio Fernando Henrique fez, aí ele apresentou o nome do Alckmin. Eu não gostei da proposta, o próprio Alckmin não gostou. Mas aí, quando se pergunta, quem poderia assumir? Qual o nome que tem? Tem o Fernando Henrique, mas ele não iria querer. Então, não tinha outro nome.
Foi a única alternativa?
O que se vai fazer, né?
O grupo de economistas do qual o sr. faz parte chegou a cogitar deixar o partido, e o Gustavo Franco fez isso. Ainda está no radar?
Agora, não. Mas, na política, cada dia é um dia, sabe-se lá o que ainda vai acontecer… Mas eu estou de tal maneira vinculado ao partido… Se houvesse obviamente uma nova dissidência, e se fundasse um outro partido, do jeito que a gente saiu do PMDB… Mas acho que há uma possibilidade muito clara de o partido ganhar com o Alckmin.
O PSDB divulgou um documento que traz o que deve ser o pilar para a campanha de 2018. Fala da retomada do crescimento, do combate à pobreza e às desigualdades, de reduzir a máquina estatal e de um amplo programa de privatizações. O sr. participou da elaboração desse documento?
Não, isso é coisa lá do José Aníbal (presidente do Instituto Teotônio Vilela, centro de estudos e formação política do PSDB). Eu não participei, não.
Mas quais pontos o sr. considera ser fundamentais na campanha do ano que vem?
Na frente de tudo, ética. É o ponto fundamental. Sem o primeiro, não adianta o segundo. O segundo ponto são as reformas. E as reformas têm três eixos básicos: abertura da economia; a desburocratização, no sentido de se ter um Estado a serviço do cidadão, e as privatizações. Tudo isso dentro de uma proposta de retomada de um crescimento sustentável e equitativo. A questão da equidade é fundamental, por isso o partido é social-democrata.
Que cenário o sr. traça para a eleição de 2018?
Acho que as pessoas ainda não se deram conta de que teremos uma eleição inglesa, o que eles chamam de “snap election”, no sentido de que, apesar de todo esse longo preâmbulo, de campanha mesmo serão 35 dias. O que vai chegar mesmo no Brasilzão nem são mais os longos programas eleitorais, são spots na rádio e na televisão e, eventualmente, debates. Não sei se o Huck desistiu por causa disso, mas que tempo ele teria? Que tempo terá a Marina, que tempo terá Bolsonaro? Zero! Quem vai ter tempo é o Lula. E o PSDB, se se aliar com mais três ou quatro. Então, eu acho que ainda vai afunilar muito.
Fonte: “Estadão”
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