Se não mudarmos muita coisa, o Brasil estará condenado a crescer a taxas médias pífias nas próximas décadas – não mais que 2% ao ano, algo que há algum tempo soaria como absurdo total. Como não se pode contar com o “bônus demográfico” (ou o aumento do grau de empregabilidade da população), nem com outro boom de commodities ou qualquer fator exógeno para facilitar nossa vida, a única saída é investir. Só que nisso estamos apanhando muito.
Na infraestrutura, onde as carências são imensas e público e privado se entrelaçam mais fortemente, o privado tem real interesse em investir, há ampla disponibilidade de financiamento e alguma melhoria institucional, mas é só. Falta planejamento, os contratos de concessão são inadequados, as agências reguladoras, medíocres, e os órgãos de fiscalização atuam mal. Ou seja, há muito o que fazer para quem cuida dessa parte.
Entrementes, voltando à raiz do problema, não há como fugir do equacionamento da questão fiscal do jeito certo, para mobilizar novos recursos destinados principalmente ao aumento do investimento público. Sem falar na redução das incertezas com que o setor privado, temeroso da explosão da dívida pública, hoje se defronta.
Todos sabemos que isso não é fácil, pois os gastos correntes são extremamente rígidos, os déficits previdenciários são gigantescos e a carga tributária já passou do limite. Assim, qualquer possibilidade extra de mobilizar recursos no setor público é muito bem-vinda e deve ser examinada com toda a atenção.
Nesse grupo, se inserem as oportunidades de antecipação da entrada de recursos mais conhecidas como securitização de recebíveis, onde fluxos futuros de recursos relativamente garantidos, que tendem a ficar escondidos e inertes por muito tempo e com risco de deterioração, podem se transformar em um volume expressivo de recursos a curto prazo, com inúmeras possibilidades de utilização. A exemplo de várias operações similares, essas oportunidades estão presentes no dia-a-dia dos mercados financeiros.
Nelas, devem-se incluir dívidas tributárias de empresas e pessoas para com o governo, mais conhecidas como “dívida ativa”, que se referem, na verdade, a tributos não recebidos em exercícios anteriores.
Nesse caso, a partir da análise dos fluxos históricos de recuperação dessas receitas, projeta-se a capacidade futura de ingresso de tais recursos por meio de metodologias já estabelecidas no sistema financeiro. Posteriormente são transformados em ativos financeiros capazes de gerar recursos líquidos expressivos a curto prazo ou servir de garantia em parcerias com o setor privado, por exemplo.
Registre-se que esses procedimentos não podem ser confundidos com operações de crédito convencionais, como às vezes se alega em segmentos pouco informados sobre o assunto. Referindo-se a bases tributárias pretéritas, não têm como comprometer a capacidade de gestão financeira das administrações futuras.
Ora em tramitação no Senado, o projeto de lei complementar 204/16 procura consolidar as normas relacionadas com esse tipo de securitização. Contudo, tendo restringido os casos de securitização de “créditos tributários” aos chamados parcelamentos, a aprovação do projeto deverá permitir o recebimento imediato de apenas um percentual desprezível do potencial arrecadatório dado pela totalidade dos créditos inadimplidos existentes. Assim, por que fazer algo insignificante, quando se pode resolver parte relevante dos problemas fiscais existentes? Parece obra de inimigo.
O ponto central é que hoje já existe tecnologia para adotar uma modelagem que jogue o foco sobre os fluxos totais regulares decorrentes do estoque de créditos e não apenas dos parcelamentos. Na União, esse fluxo alcança a expressiva marca de R$ 20 bilhões anuais, que tendem a se repetir todos os anos, dos quais, para uma estruturação no período de 20 anos, pode derivar a obtenção imediata de recursos financeiros oriundos do mercado de cerca de R$ 130 bilhões, e os restantes R$ 270 bilhões serem convertidos, por exemplo, em ativos garantidores de longo prazo para o setor privado, ou destinados a fundos previdenciários.
Cabe notar que existem algumas operações do tipo acima em andamento em várias unidades federativas, considerando a totalidade dos créditos inadimplidos (e não apenas os parcelamentos), com análises dos fluxos respectivos, na forma a meu ver mais correta de encarar a questão. Será realmente uma pena que esse processo seja travado por uma visão muito limitada do alcance do instrumento, que praticamente o inviabilizará se o projeto for aprovado como está.
Por fim, uma vantagem que muitos não enxergam na inserção privada é a possibilidade de se incrementarem os valores cobrados da dívida tributária hoje inerte nos escaninhos governamentais. Como se sabe, não será aqui, onde é muito grande a quantidade de ações em tramitação no Judiciário, que a gestão pública primará por maior eficiência.
Fonte: “O Globo”, 11/12/2017
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