O Movimento Passe Livre (MPL) recomeçou sua luta pela gratuidade no transporte coletivo. Essa demanda comete pelo menos três equívocos. O primeiro é não perceber a inexistência de tarifa zero. Montar e operar um sistema de transportes requer investimentos em veículos, locomotivas e instalações, além dos gastos de manutenção. Tais custos devem ser cobertos pela cobrança da tarifa ou pelo setor público.
O segundo equívoco, que decorre do primeiro, é não perceber que os recursos para financiar a gratuidade virão da cobrança de tributos. No Brasil, cerca de dois terços da carga tributária são de tributos sobre o consumo, que não distinguem contribuintes. Assim, o ICMS do pãozinho é o mesmo para o rico, para a classe média e para os pobres. Logo, representa uma parcela proporcionalmente maior da renda dos pobres. O passe livre constituirá, pois, um peso relativamente maior para os pobres. Já que o MPL visa essencialmente os estudantes, em sua maioria de classe média ou rica, a gratuidade será uma transferência de renda dos pobres para os segmentos de maior poder aquisitivo.
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O terceiro equívoco é imaginar que as concessionárias de serviços de transportes podem deixar de cobrar pelas passagens. Isso não está previsto nos contratos de concessão. A gratuidade terá, então, que ser compensada por subsidio do governo. Do contrário, as empresas irão à falência e todos ficarão sem transporte, pelo menos até que o sistema seja estatizado, criando ineficiências. No fundo, imagina-se que o lucro é algo pecaminoso, o que justificaria sua eliminação para favorecer os usuários do transporte coletivo.
Na realidade, além dos equívocos, o MPL é prisioneiro da cultura da meia entrada, mostrada por Marcos Lisboa e Zeina Latif. Ela está presente na meia entrada em cinemas e teatros. Neste caso, acontece o subsídio cruzado, isto é, a gratuidade é financiada pelos que não se beneficiam da isenção, pois pagam uma entrada maior do que deveriam.
Uma outra demonstração dessa cultura foi hoje divulgada pelo jornal Valor. Existem 112 projetos no Senado, na Câmara e em assembleias legislativas, propondo a isenção total ou parcial do pedágio para idosos, funcionários públicos, motociclistas, vãs escolares ou carros com mais de um passageiro. Isso exigiria que se determinasse quem vai pagar pela isenção, se os demais usuários ou toda a sociedade.
Um desses projetos já foi aprovado na Assembleia Legislativa de São Paulo e aguarda sanção do governador Geraldo Alckmim. Isenta completamente do pedágio professores, dentistas, médicos, enfermeiros e fisioterapeutas da rede pública nas rodovias estaduais. Por que não beneficiar também quem trabalha no setor privado?
Somente com a melhoria da educação, inclusive para ensinar que não existe almoço grátis, será possível o Brasil livrar-se de tamanha ignorância e de seus efeitos negativos.
Fonte: “Veja”, 15/01/2018
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