Em entrevista ao programa da jornalista Míriam Leitão na “Globonews” na noite desta quinta-feira, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso afirmou que será “trágico” se o STF voltar atrás da decisão de permitir a execução penal após a condenação em segunda instância, posição que prevaleceu na última vez que a Corte avaliou o caso, em 2016. Nas últimas semanas, a presidente do Supremo, ministra Carmén Lúcia, vem sendo pressionada por colegas a colocar novamente o assunto em pauta — há a expectativa de que alguns ministros mudem seu voto.
— Acho que esta discussão vai se colocar, e vai ser entre muito ruim e trágico se o Supremo reverter a posição. Quando se passou a permitir a execução depois da condenação em segundo grau, pela primeira vez a imensa quantidade de ricos delinquentes que há no Brasil passou a evitar cometer crimes e, depois, a colaborar com a Justiça. Foi a coisa mais importante que aconteceu para se punir a criminalidade do colarinho branco — afirmou o ministro, para quem eventual mudança vai beneficiar criminosos do colarinho branco. — Porque o pobre é preso antes da sentença de primeiro grau, é preso em flagrante, com droga, e não sai mais, antes do primeiro grau.
Alguns ministros defendem que a execução de pena aconteça apenas após a confirmação da condenação na terceira instância, o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Barroso acrescentou um argumento contra esta posição:
— Pedi uma pesquisa no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e se revelou que o índice de absolvição pelo STJ é de 0,62%, menos de 1% dos casos. Portanto, você esperaria o julgamento pelo STJ, o que às vezes leva uma década, por uma hipótese raríssima.
O ministro do STF avaliou que a Lava-Jato marcou um divisor de águas no combate à corrupção, e que, agora, o país assiste a uma reação “das oligarquias” ao avanços das investigações.
— O combate à corrupção no Brasil atingiu setores e pessoas que se sentiam imunes e impunes. O que estamos vendo é a reação oligárquica (ao combate à corrupção). A corrupção no Brasil é parte de um pacto oligárquico, celebrado entre boa parte da classe política, boa parte da classe empresarial e boa parte da burocracia estatal, um pacto de saque ao estado brasileiro, de desvio de dinheiro — opinou Barroso. — E agora há a reação oligárquica ao enfrentamento dessa corrupção. E esta gente tem aliados em toda parte: nos altos escalões dos poderes da República, na imprensa e até onde menos se poderia esperar.
GILMAR MENDES
Barroso já havia usado a expressão de que a luta contra a corrupção tem aliados “onde menos se poderia esperar” durante julgamentos no STF, permitindo a interpretação de que se referia ao próprio tribunal. Em outro momento da entrevista, ele foi questionado sobre as discussões que teve com o ministro Gilmar Mendes em julgamentos durante o ano passado. Barroso negou ter problema pessoal com o colega de Supremo, e, na sequência da resposta sobre Gilmar, voltou a citar o “pacto oligárquico” contra o combate à corrupção.
— Não tenho nada pessoal (contra Gilmar). São diferentes visões do país e do Direito. Eu acho que é a hora de empurrarmos a história e, dentro da Constituição e das leis, respeitando o direito de defesa, mudarmos o patamar ético do Brasil. Não faço parte do pacto oligárquico, nem tenho essa identificação com esse modelo que está aí. Este pacto oligárquico significa que não há desenvolvimento, não há distribuição de renda… A corrupção traz esse problema. Você tem uma elite extrativista que cria um país só para si. Em qualquer democracia, você pode ter um projeto liberal, progressista ou conservador de poder. Mas jamais um projeto desonesto de poder, e esta é a circunstância brasileira.
INTERVENÇÃO NO RIO
O ministro comentou ainda a crise de segurança no Rio.
— Prefiro não falar especificamente sobre a intervenção pois é um tema que pode chegar aqui (ao STF). O problema do Rio não se enfrenta com bala de prata. Precisa de inteligência, planejamento e ocupação social. Não se resolve com uma intervenção de seis, nove meses. Parte da sociedade se sente marginalizada a ponto de não ter nenhum acesso a esse mundo de consumo e civilização que vivemos. E quando você não tem acesso, a violência muitas vezes é sua forma de comunicação. Precisa-se enfrentar a criminalidade, mas também fazer um resgate social de educação, saúde, nessas comunidades dominadas pelo tráfico.
Ele avalia que a política de guerra às drogas fracassou no Brasil, e que as Forças Armadas não serão a solução para o Rio.
— Se alguém achar que a solução para criminalidade do Rio é militar, está completamente enganado. A solução é social. O Rio é a prova cabal do fiasco da política de (combate às) drogas no Brasil. Cabal. Sou a favor da liberação da maconha com planejamento e, se der certo, passar para cima (outras drogas) — propôs o ministro. — O principal problema é o grande poder que o tráfico exerce sobre as comunidades pobres. Impede as famílias honestas de educarem seus filhos numa cultura de honestidade, (que) são cooptados pelo tráfico. Esta forma atual não serve. O resultado é a prisão de meninos de 18 ou 19 anos, com pouca quantidade de drogas, o que destrói a vida deles, e no dia segunite são substituídos pelo tráfico.
Fonte: “O Globo”