Laura Carvalho, minha colega que ocupa este espaço às quintas (Folha de S. Paulo), abordou em sua coluna da semana passada o relatório da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) divulgado em 28 de fevereiro em Brasília.
Como apontou Laura: “O relatório da OCDE recomenda, além de abrir mais a economia para a concorrência estrangeira e reformar a Previdência, tornar o Banco Central independente, pôr fim à política industrial, desvincular os benefícios sociais do salário mínimo e reduzir o papel do BNDES, entre outras medidas. O conjunto de reformas estruturais propostas, acredita, seria capaz de elevar o crescimento do PIB brasileiro em 1,4 ponto percentual ao longo dos próximos 15 anos”.
Segundo Laura, o relatório repisa temas de receitas antigas que não funcionaram. Poucos países se deram bem. Laura escreve que “a exceção são os países que conseguiram acelerar muito suas taxas de crescimento por não terem cumprido a cartilha, entre os quais a China é o maior exemplo”.
Para Laura, o crescimento espetacular da China deve-se ao fato de não ter cumprido a cartilha da liberalização dos mercados.
Quem será que tem Estado mínimo? O Brasil ou a China? A carga tributária no Brasil é de 32% do PIB, e na China é de 21%. O gasto com saúde, educação, aposentadoria do setor privado e assistência social no Brasil é de 20% do PIB e na China é de 8,5% do PIB. Será que a China gasta tão menos do que o Brasil porque há poucos idosos por lá? Não é o caso. A população com 65 anos ou mais na China é de 8,5% da população total, ante 7% para o Brasil.
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Será que nosso gasto em educação é elevado em razão de termos mais crianças? De fato, a população com 15 anos ou menos no Brasil é de 25%, ante 18% na China. Como a China gasta 3,7% do PIB com educação, para mantermos a mesma proporção, teríamos de gastar 5,1%. Nosso gasto é superior a 6% do PIB.
O mercado de trabalho chinês, até 2007, antes da edição de uma nova lei trabalhista, era algo mais próximo da Inglaterra de Charles Dickens do que de qualquer coisa remotamente aparentada ao que se encontra nas economias modernas.
São comuns ainda na China os casos de pais que migram para outras cidades ou províncias e, em razão do sistema de passaporte interno, perdem o direito de pôr os filhos nas escolas públicas. Ou deixam os filhos aos cuidados dos avós na cidade de origem ou são obrigados a pagar escolas particulares de pior qualidade.
Evidentemente esse gasto social diminuto e essas condições que há até pouco tempo lembravam a primeira Revolução Industrial explicam a elevadíssima taxa de poupança familiar: algo próximo de 50% da renda do domicílio. Aproximadamente 45% da poupança gigante chinesa, de uns 45% do PIB, é familiar!
Assim entende-se os motivos de os juros serem baixos e de a capacidade de investir no setor produtivo, com ênfase na indústria, e de acumular infraestrutura —metrô e saneamento nas grandes cidades e uma respeitável rede de trens de elevada velocidade— ser tão elevada.
Provavelmente Laura acha que o crescimento da China é fruto do câmbio e do juro. Talvez também da conta de capital fechada.
No entanto os números são claríssimos. O crescimento da China deve-se a ser um caso de excesso de liberalismo econômico (não político, evidentemente).
Gostar da China é comum entre nossos economistas heterodoxos. Eles sofrem da síndrome do adolescente. Desejam algumas características, mas não outras. Não notam que são faces de uma mesma moeda.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 11/03/2018