“O senhor se sente responsável pela Operação Lava Jato ter destruído a indústria da construção civil nesse país? O senhor se sente responsável por [inaudível] milhões de pessoas que já perderam emprego no setor de óleo e gás e na construção civil? Eu tenho certeza que não”, perguntou Lula a Moro.
Será que Lula tem razão? Será a corrupção boa para a economia e o seu combate o responsável pelo aumento do desemprego? Nesse segundo artigo sobre corrupção que eu escrevo para o Terraço (leia o primeiro aqui) abordarei um tópico controverso: como a corrupção afeta o crescimento econômico.
Um estudo do Banco Mundial de 2005 estimou que o montante total de propinas pagas mundialmente estaria perto de 1.5 trilhões de dólares, algo em torno de 2% do PIB mundial ou cerca de metade do PIB de todo o continente africano. Essa é uma estimativa, provavelmente subestimada, da quantidade de dinheiro que entregamos nas mãos de políticos e empresários corruptos. Esse é o chamado “imposto da corrupção”, mas não é a única forma que a corrupção afeta a riqueza dos países.
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As principais causas para essa redução no crescimento seriam a busca dos agentes econômicos por oportunidades de renda fácil sem conexão com produtividade ou eficiência, o aumento dos custos de transação devido a incerteza, a criação de monopólios ou cartéis de empresas corruptas e a ineficiência na alocação dos investimentos. Em um paper clássico de 1997, Susan Rose-Ackerman afirma que os custos mais relevantes da corrupção vão muito além do valor que é pago em propinas. Muito pior do que a propina são as distorções nos incentivos econômicos que um sistema corrupto causa. Com isso, as estratégias de combate a corrupção devem envolver a criação de uma concorrência justa nos negócios com o setor público que teria como consequência uma aumento da eficiência e da produtividade do setor privado.
Por outro lado, Lula teria sim, uma certa razão. A corrupção pode dar uma “azeitada” na máquina burocrática, fazendo com que ela trabalhe da maneira mais rápida. Quem já tentou conseguir, por exemplo, um alvará da prefeitura para abrir um restaurante sabe do que eu estou falando. Há lei para tudo, inclusive uma que proíbe o uso de colher de pau na cozinha. A chef Roberta Sudbrack, que fora cozinheira do Planalto durante o governo FHC, passou por problema desse tipo no último Rock in Rio quando teve um prejuízo estimado de 400 mil reais por tentar servir alimentos de pequenos produtores que não tinham o selo correto da vigilância sanitária. Um “molhada de mão” poderia ter facilitado as coisas para ela, com impacto econômico provavelmente positivo. Essa teoria da corrupção como graxa na máquina burocrática tem respaldo na academia. Um artigo de 2010 dos pesquisadores Pierre-Guillaume Méon e Laurent Weill conclui que a corrupção pode aumentar a eficiência das instituições públicas em países onde elas são extremamente ineficientes.
A maioria dos estudos indica porém que a corrupção funciona mais como areia do que como graxa na engrenagem do crescimento econômico. Em um artigo recente de 2015, os pesquisadores Jan Hanousek, Anna Kochanova usam exemplos do leste europeu para tentar fazer um balanço entre esses efeitos positivos e negativos da corrupção no desempenho das empresas. A análise demonstra um efeito ambíguo: a existência de um certo número de empresas que pagam propina aumenta o desempenho agregado da indústria, com isso, a chance de receber benefícios do suborno pode ser uma das razões pelas quais a corrupção não desaparece, apesar de seu efeito geral de contenção do crescimento.
O mesmo artigo infere ainda que uma possível tarefa para os formuladores de políticas públicas seria melhorar a transparência das interações entre empresas e setor público. Isso poderia reduzir o poder discricionário tanto dos empresários quanto dos agentes públicos, diminuir os ganhos preferenciais da corrupção e com isso reduzir a média e a dispersão dos valores pagos em propina. Essa e outras medidas que, segundo as pesquisas acadêmicas, poderiam ajudar a combater a corrupção serão abordadas em mais detalhes no nosso terceiro e último artigo dessa série.
Fonte: “Terraço Econômico”, 16/03/2018