Nas palavras sábias de um amigo, a execução calculada de Marielle Franco e de Anderson Gomes no Rio de Janeiro há exatamente uma semana matou, de uma tacada, a vereadora e seu motorista, os fatos, e a civilidade política. A violência com fins políticos, modalidade recém-inaugurada no Brasil, as mentiras propagadas nas redes sociais, e a brutalidade dos comentários sobre o atentado somam-se aos aviltantes pronunciamentos de candidatos com aversão aos direitos humanos, aos insossos e desgastados presidenciáveis da chamada centro-direita, às propostas macroeconômicas fantasiosas da esquerda brasileira. Somam-se também à debilidade da retomada econômica que só o mercado festeja – o cidadão comum ainda pena para resgatar algum senso de segurança – e à visão nefanda de que o impeachment de Dilma mostrou que esse mesmo mercado tem o poder de remover governantes com pouca habilidade para gerir a economia do País.
O impeachment de coalizão – como na época chamei a remoção de Dilma com a preservação de seus direitos políticos contrariamente ao que diz a Constituição – foi por mim defendido por esse mesmo motivo: Dilma havia perdido a capacidade de gerir o País, e a funesta contabilidade criativa de seu governo levara a economia à beira da bancarrota. Confesso aqui sem medo algum de ser vilificada pelos autopresumidos destruidores de reputações que vivem de atacar os outros: já não tenho as mesmas convicções, ainda que continue a acreditar em meu relato sobre a condução devastadora da política econômica do governo Dilma no livro Como Matar a Borboleta Azul: Uma Crônica da Era Dilma.
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Substituímos um governo péssimo na gestão econômica por outro tão marcado quanto o anterior pelas revelações da Lava Jato. A falta de escrúpulos estampada nas revelações do encontro de maio de 2017 na garagem do Jaburu enterrou de vez a reforma da Previdência, embora ela já estivesse na berlinda desde os primeiros dias do governo Temer, como disse em 2016. Afinal, o impeachment de coalizão e de conveniência não tinha como legitimar qualquer governo sucessor, por melhor que fosse sua agenda de transformação do País. Traduzo aí o sentimento de pelo menos algumas pessoas que vivem tanto no Brasil, quando fora dele. Mas, para alguns integrantes do mercado, essa é verdade, no mínimo, inconveniente – verdade azeda, corrosiva, pessimista. Verdade que atiça indignação, vituperações e ataques pessoais àqueles que a apontam. Denegrir é prática que se tornou ainda mais comum no Brasil desnorteado pós-impeachment. Rebater o argumento não interessa – interessa abater a pessoa para que se cale.
No meio dessa cacofonia, agora ampliada pelos assassinatos execráveis no Rio de Janeiro, poucos notam como é visto o florão da América fora de suas fronteiras. Trata-se não de indiferença ou descaso – antes ainda fosse assim. A imagem do Brasil, hoje, é de país degradado pela corrupção, “cupinizado” por sistema político apodrecido, violento e brutal, tão deploravelmente brutal. Ignorante de si, tenta o País emplacar o enredo do governo salva pátria, da retomada econômica cujo êxito se sobreporia à degeneração institucional e social em tão visível exibição. Quem vê de longe enxerga isso.
+ de Monica de Bolle: Realismo sem mágica
Alguém para por um momento para refletir porque membros do Parlamento Europeu proferiram palavras tão duras a respeito do Brasil? Alguém se dá conta de que na disputa pela atenção do governo americano na briga do aço nós estamos entre os últimos da fila? “Ah, mas que importa? O investimento estrangeiro continua a vir para cá, o mercado lá fora nos vê com bons olhos, portanto, que erro de análise!”, devem pensar os que com pouco precisam se preocupar, os 10% da população que detêm 55% da renda brasileira, segundo o último relatório World Inequality Report.
A recuperação vai ganhar força, a inflação vai continuar baixa, o desemprego vai continuar a cair, a intervenção militar no Rio vai dar conta do recado, os Estados quebrados vão se reerguer. Tudo vai se ajeitar, o Brasil vai eleger o reformista, o Brasil vai crescer, o Brasil vai voltar a ser respeitado, o Brasil será tratado como país sério, o Brasil é o futuro, eternamente.
“Brasil, de amor eterno seja símbolo
O lábaro que ostentas estrelado
E diga o verde-louro dessa flâmula
Paz no futuro e glória no passado”
“Brasil, de amor eterno seja símbolo
O lábaro que ostentas estrelado
E diga o verde-louro dessa flâmula
Paz no futuro e glória no passado”
É mesmo?
Fonte: “Estadão”, 21/03/2018