Estamos em território nunca antes explorado de patamar de taxa de juros básica, em um ciclo de cortes que é o mais longo da história. É possível, porém, vislumbrar mais reduções da Selic, apesar das várias incertezas que o Banco Central se defronta.
Para começar, o impacto da política monetária sobre a inflação não é rápido. Demora pelo menos três trimestres na experiência brasileira. A interrupção do relaxamento dos juros precisa ocorrer, portanto, muito antes de a economia exibir aquecimento e a inflação se aproximar da meta Por conta disso, o comportamento da economia por si só não basta para a tomada de decisão de política monetária, o que leva os bancos centrais a procurarem outros “instrumentos de navegação”. Utilizando técnicas econométricas, estimam variáveis que não são diretamente mensuráveis, mas são conceitos importantes desenvolvidos na literatura econômica, como a taxa de juros neutra e o hiato do produto.
A taxa de juros neutra é aquela que mantém a inflação estável. Países como o Brasil, com déficit e dívida pública elevados e taxa de poupança baixa, têm juros neutro mais elevado. Quando a economia está fraca e a inflação baixa, o Copom fixa a taxa Selic abaixo do nível neutro (política expansionista), e vice-versa (política contracionista).
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O hiato do produto mede a ociosidade de recursos (capital, trabalho, infraestrutura) na economia. É um guia para definir o quanto se deve estimular (ou contrair) a economia.
Estimar essas variáveis é tarefa particularmente desafiadora no Brasil, principalmente em função de tantos choques econômicos.
A conjuntura também não ajuda. O BC tem ainda de lidar com as incertezas quanto à agenda econômica do próximo governo, o que reduz a visibilidade da trajetória da inflação nos próximos anos. Os modelos de projeção de inflação ficam menos confiáveis. Fosse o quadro fiscal mais confortável, com a reforma da previdência aprovada, as incertezas seriam menores.
Em meio a todas essas dificuldades, o BC precisa escolher qual risco prefere correr: de cortar os juros em demasia e acabar gerando pressão inflacionária indesejada ou de fazer um corte insuficiente e a recuperação da economia ser muito lenta, com inflação abaixo da meta por muito tempo.
Há razões para acreditar que vale a pena, por ora, correr o primeiro risco.
Primeiro, é bastante possível que a taxa de juros neutra esteja em queda, estando na casa de 3,5% em termos reais (desconta a inflação), ante estimativas em torno de 5,0%. A razão seria a mudança da política econômica e a credibilidade do BC.
O rombo orçamentário é enorme, mas reflete a rigidez das despesas e o aumento dos gastos com Previdência, enquanto no governo Dilma era estímulo fiscal “na veia”. Foram quase 5,0% do PIB de aumento do déficit público, sem contar o estímulo via crédito de bancos públicos, que aumentou 11% do PIB até 2015. É muito improvável repetir essa experiência de ativismo irresponsável, até porque o dinheiro acabou.
Juros neutros mais baixos implicam em condições monetárias atuais menos “estimulativas” do que o imaginado. A Selic em 6,5% a.a. estaria não mais que 1pp abaixo da taxa neutra nominal (inclui a expectativa de inflação).
Segundo, o ritmo de recuperação da economia não tem sido suficiente para reduzir efetivamente o hiato do produto, o que é reforçado pela reduzida utilização da capacidade instalada da indústria e dos serviços e pela rígida taxa de desemprego. Considerando a lenta evolução do crédito e da situação financeira de empresas e famílias, não parece haver força para mudar este quadro tempestivamente.
Como resultado, a inflação segue distante da meta e surpreendendo favoravelmente, sem pressões à vista.
Se o próximo presidente adotar uma agenda medíocre, a inflação vai sofrer e o BC terá que reorientar a política monetária. Porém, não faz sentido uma postura preventiva agora. O quadro é de incerteza política e não de certeza de um cenário negativo adiante.
A festa não começou. Ainda é possível liberar mais bebida.
Fonte: “Estadão”, 22/03/2018