Por Giuliano F. Miotto
O Brasil possui a maior área de pastagem tropical do mundo, ocupando mais de 170 milhões de hectares e somos detentores do maior rebanho comercial do mundo. O setor de pecuária está distribuído em praticamente 100% dos municípios e é responsável por boa parte da riqueza produzida no Brasil, gerando mais de 7 milhões de empregos e movimentando mais de 49 setores industriais. Dado o amplo controle efetivado pelo Estado através de intensas regulações, não raro temos notícias de agentes públicos sendo aliciados e corrompidos por grandes empresas do setor para serem menos rígidos na fiscalização. O pior é que organizações não governamentais como o Greenpeace Brasil não conseguem enxergar o verdadeiro problema do excesso de regulação estatal do setor e clamam por mais regulação e por mais consumo de vegetais.
Vejamos então porque o Estado não pode ser o principal regulador da segurança alimentar e como o capitalismo tem muito mais condições de resolver essas questões:
1.O Livre Mercado estimula a inovação
Em seu livro mais famoso, Mises nos ensina que: “O rei do chocolate – ou do aço, ou do automóvel, ou qualquer outro rei da indústria contemporânea – depende da indústria que administra e dos clientes a quem presta serviços. Esse “rei” precisa se conservar nas boas graças dos seus súditos, os consumidores: perderá seu “reino” assim que já não tiver condições de prestar aos seus clientes um serviço melhor e de mais baixo custo que o oferecido por seus concorrentes.”
O termo “concorrentes” encerra um dos fatos mais fascinantes e impactantes do sistema capitalista e do livre mercado, que é a possibilidade de que a busca de indivíduos e empresas pelo lucro e pelo sucesso estimulam sempre a entrada de novos competidores nos mercados. E isso geralmente se dá através de algo que pode ser chamado de economia disruptiva ou da inovação.
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Vários setores precisam romper com antigos modelos de negócio com vistas a atender às demandas dos seus consumidores. Empresas inseridas em um ambiente de competitividade precisam se reinventar sempre e romper vários desafios para se manter firmes e dominantes em suas áreas de atuação, isto se quiserem conter o avanço dos concorrentes. O sistema de livre mercado é o único capaz de estimular a constante inovação e a disputa das empresas pela preferência de seus consumidores. Nenhum outro sistema é capaz de proporcionar um ambiente tão rico em inovação.
O setor de produção de alimentos e de pecuária em geral é um grande exemplo disso. Não fossem as constantes inovações no setor, vários dos antigos problemas relacionados à baixa produtividade, doenças, bem como os custos relacionados à produção, tornariam praticamente impossível alimentar toda a população mundial que hoje é estimada em mais de 7 bilhões de pessoas. Outros bons exemplos são as pesquisas financiadas com capital privado para se desenvolver carne e ovos sintéticos, os quais muito em breve se tornarão realidade em nossas prateleiras. Mercados altamente regulamentados pelo Governo e com baixa competitividade tendem a investir menos em inovação. Seria impossível alimentar e manter todas essas pessoas vivas se não fosse a proteína animal. Portanto, não dá para atacar o problema só aumentando o consumo de alface e beterraba.
2. A Concorrência melhora a Qualidade dos Produtos
Na esteira do item anterior, fica bastante claro que quanto maior for a concorrência entre as empresas do setor de proteína animal, mais teremos estímulos para que os empresários lutem pela nossa preferência, melhorando a qualidade dos seus produtos e buscando oferecer o melhor preço possível, pois todos estão disputando significativas fatias de mercado. De acordo com a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), a indústria de proteína animal embarca anualmente 262 mil contêineres para 160 países, gerando uma receita que representa cerca de 15% do total das exportações brasileiras, o que corresponde a cerca de 40 bilhões de reais por ano. Isso sem falar no mercado interno. Dá para se perceber que há muito dinheiro envolvido no setor de proteína animal e que cada empresa envolvida na cadeia de fornecimento deseja permanecer em posição de dominância do mercado, por motivos óbvios.
Ao contrário, se temos um mercado muito fechado, com poucos competidores e poucas empresas dominando toda a cadeia de fornecimento, haverá pouco estímulo à inovação e pouca concorrência entre as empresas. Quem perde somos nós, os consumidores.
Ademais, se verificarmos matérias e opiniões de especialistas a respeito de uma operação da Polícia Federal contra irregularidades no setor de carnes, vai ficar bastante claro que o maior problema efetivo encontrado foi a corrupção de servidores públicos com o objetivo de fazerem vistas grossas a algumas questões como o uso de ácido sórbico, o qual não faz mal algum à saúde, e a compra de um carregamento de perus com salmonela para a produção de presunto. De acordo com um especialista consultado, o processo de cozimento da carne para a produção de presunto seria capaz de desativar o princípio ativo da salmonela, afastando qualquer risco efetivo à saúde das pessoas. Outro ponto que foi dito pelo próprio fiscal que fez a denúncia é de que a maioria das empresas do setor agem de forma correta e são extremamente cuidadosas nos quesitos de higiene e de segurança alimentar e que os frigoríficos envolvidos são uma pequena parte do mercado.
Não estamos, de modo algum, defendendo erros ou atitudes de frigoríficos contrários aos interesses de seus consumidores, mas apenas lembrando que o maior problema de se ter funcionários públicos fiscalizando e um excesso de regulamentações, algumas até sem sentido, só fazem aumentar as chances de empresários mal intencionados (alguns dos quais inclusive recebem financiamento público através do BNDES) pagarem propinas com o objetivo de burlar as referidas normas. Tampouco estamos dizendo que os empresários que prezam pela qualidade dos seus produtos são bonzinhos e só querem o bem de todos. Como Adam Smith já falava no século XVIII em seu livro A Riqueza das Nações, “não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelo seu próprio interesse”, ou seja, quando se está em um ambiente com ampla concorrência e sem benefícios a uns poucos empresários em detrimento de outros, os interesses próprios são o motor da qualidade dos produtos oferecidos.
3.Você nunca ouviu falar de grandes escândalos ou casos de corrupção em Certificações Privadas:
É claro que já devem ter ocorrido casos isolados ou tentativas de se burlar as normas de sistemas privados de certificação. Mas a verdade é que você provavelmente nunca ouviu, ou vai ouvir, falar de um grande escândalo envolvendo alguma certificação da ISO, da Certificação de Orgânicos, do Selo de Qualidade do Café ou de outras das variadas certificações privadas que existem no mercado.
Isso ocorre porque, ao contrário do Estado, as certificadoras privadas vivem da reputação que possuem no mercado e a sobrevivência delas depende diretamente da percepção que existe nas pessoas e empresas de que o seu selo tem valor. Se uma certificadora privada fosse flagrada em uma operação como essa da “Carne Fraca”, ela não teria qualquer chance de continuar operando no mercado. Sua reputação e todo o seu lucro seriam imediatamente afetados e, dificilmente, sobreviveria a tal exposição negativa da mídia.
Já um órgão estatal, detentor do monopólio do poder de fiscalizar determinado setor, pode se dar ao luxo de ter toda a sua credibilidade questionada pelo mercado consumidor, sem perder um centavo sequer de seu faturamento, o qual vem da máquina estatal. Sua reserva de mercado continuará intacta e, no máximo, os funcionários envolvidos no caso de corrupção serão exemplarmente punidos. Até que outros caiam na mesma tentação e tudo se repete, sem abalar a credibilidade das pessoas na benevolência do Estado de se colocar como supervisor e fiscalizador da qualidade dos alimentos e da saúde pública.
Se estatistas estão mesmo interessados no bem-estar da população e em um mundo melhor porque não estimular e permitir a proliferação de certificadoras privadas concorrendo em um sistema de livre mercado? Com isso, diminuiria a necessidade de tantas leis e normas da parte do Estado e possibilitaria uma regulamentação genuína do setor, advinda das exigências do próprio mercado consumidor. Neste sentido, basta observarmos o que acontece com os mercados direcionados para árabes e judeus religiosos, no caso dos últimos é chamado de alimentos kosher, que seguem um rigoroso padrão de controle que vai desde a escolha dos animais a serem utilizados, até a maneira como estes são mortos, dentre vários outros critérios. Um amigo veterinário que trabalhou em um grande frigorífico nos disse que a carne que era produzida para este público tinha um controle muito mais rígido do que a carne que era vendida no mercado interno, inclusive com a presença constante de representantes desses países, fiscalizando toda a linha de produção.
Outro caso de sucesso no que diz respeito à certificação privada é o mercado de produtos orgânicos. De acordo com uma empresa certificadora do setor, a “certificação de produtos orgânicos é o procedimento pelo qual uma certificadora, devidamente credenciada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e ‘acreditada’ (credenciada) pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro), assegura por escrito que determinado produto, processo ou serviço obedece às normas e práticas da produção orgânica.”
É praticamente certo que cada mercado é capaz de se autorregular e de fornecer soluções para cada um dos problemas naturais que aterrorizam o seu público consumidor. Logo, o que o mercado de proteína animal precisa não é de mais leis, até porque o Estado sequer é capaz de fazer com que todas elas sejam devidamente cumpridas, mas de mais liberdade e mais concorrência.
4.É praticamente impossível a manutenção de Monopólios sem as infinitas regulações do Estado
Um extenso estudo feito por Rothbard, nos EUA, chegou à conclusão de que existe uma correlação direta entre a formação e manutenção de oligopólios e monopólios com o aumento de regulações estatais. Aqui no Brasil é muito fácil ver isso no setor de telefonia, bancário e até mesmo o setor de frigoríficos, os quais são excessivamente regulamentados e, nem por isso, há uma efetiva melhora dos produtos e serviços oferecidos aos consumidores e há uma concentração muito grande desses setores nas mãos de poucas empresas ou grupos empresariais.
A relação de oligopólios e corrupção ajuda a piorar as consequências do capitalismo de compadres pois, ao invés de as empresas investirem em inovação, buscar maior produtividade e, deste modo, melhorarem o preço e a qualidade dos seus produtos e serviços, acaba sendo mais lucrativo para essas empresas investir em boas relações com políticos. Basta ver a quantidade de dinheiro doado por uma das principais empresas denunciadas na operação “carne fraca” para vários políticos que já estiveram e ainda estão no poder.
Essas boas relações com políticos fazem com que estes assegurem uma considerável fatia de mercado das empresas amigas por meio de regulações e facilidades advindas da colocação de pessoas “certas” nos órgãos de fiscalização e nas chamadas agências reguladoras. Veja a quantidade de industriais brasileiros que possuem um discurso pedindo aos políticos que saiam em “defesa da indústria nacional”.
Neste sentido, Donald Stewart Jr. escreveu que “o intervencionismo invariavelmente protege alguns produtores em detrimento do consumidor, enquanto que a liberdade de entrada no mercado favorece o consumidor, obrigando o produtor a “descobrir” a maneira de satisfazê-lo. Quando o caminho do sucesso deixa de ser o de produzir algo melhor e mais barato e passa a ser o de obter os favores do “rei”, ou de ser “amigo do rei”, a sociedade se degenera moralmente e empobrece economicamente.”
Esse discurso enviesado e a má relação entre políticos e empresas do setor de proteína animal só serviu para o uso indevido de recursos públicos, via BNDES e Bancos Públicos, para o estabelecimento dos chamados “campeões nacionais”, que coincidentemente foram também os campeões de doações eleitorais, seja pelas vias normais ou via caixa 2. Isto porque em um mercado altamente regulado pelo Estado, só se sobressai e vence aqueles que possuem bons contratos e contatos com pessoas poderosas, as quais inclusive usam desse poder para criar barreiras para a entrada de novos concorrentes.
Como ensinava Milton Friedman, “muitos querem que o governo proteja o consumidor, mas um problema muito mais urgente é proteger o consumidor do governo”.
5.Existe muita regulação, mas o Estado é incapaz de ser Onisciente
Por fim, mas sem a pretensão de esgotar o assunto, é muito importante lembrarmos que o Estado é incapaz de estar em todos os lugares e ainda não possui o dom da onisciência. Por outro lado, soluções de mercado, bem como os próprios consumidores, conseguem ter uma visão muito mais abrangente e fazer juízos bem mais precisos na escolha dos produtos e de qual fornecedor vão adquirir os mesmos. É praticamente impossível para o Estado ter controle absoluto sobre todas as variáveis e movimentações dos mercados. A não ser que vivêssemos em uma espécie de “big brother” onde cada ação das empresas e indivíduos fossem monitoradas segundo a segundo.
Mesmo que o Estado consiga, de certa forma, acompanhar e fiscalizar uma linha de produção, não podemos nos esquecer da principal tese da escola “Public Choice” a qual rompe a crença romântica de que quando uma pessoa assume um cargo público ela se transformaria automaticamente em um anjo imaculado. Não há porque se apegar à ideia de que um veterinário do setor público seria um santo e um veterinário privado um monstro egocêntrico. Isso reforça o entendimento de que o Estado não faz nada, mas indivíduos agem, seja por interesses particulares, seja no suposto interesse do Estado.
Assim, mesmo que haja muita regulamentação no setor de proteína animal e que o Estado crie agências e órgãos fiscalizadores, não há como se garantir de modo efetivo que os produtos que chegam às nossas mesas seguiram, de fato, todas essas normas, procedimentos e leis. Isto porque é impossível que o Estado acompanhe cada linha de produção e colha amostras de cada produto final levado para ser consumido nos supermercados e varejistas. Na verdade, é muito mais lógico pensar que as empresas são as maiores interessadas em fornecer produtos e serviços de qualidade e que não ofereçam riscos à nossa saúde. Afinal de contas, um consumidor morto não tem como comprar nada.
*Giuliano F. Miotto, advogado, mestrando em economia e presidente do Instituto Liberdade e Justiça