Invadir prédios ou qualquer outra propriedade imobiliária, seja ela pública ou privada, é crime previsto no Código Penal; não há casos em que a invasão é permitida. Cobrar aluguel das pessoas que moram no imóvel invadido, com ameaças e uso da força, também é crime. Quando um prédio desses pega fogo e desaba em seguida, como acaba de acontecer no centro de São Paulo com um edifício federal de 24 andares, imagina-se que os crimes ficam mais graves ainda. Imagina-se, enfim, que os responsáveis pela invasão, que embolsam os aluguéis (no caso, de 250 a 500 reais por mês por “apartamento”) e controlam cada detalhe do funcionamento do prédio, devam ser processados e punidos pelos crimes que cometeram. Pode ser assim no resto do mundo, mas não no Brasil. No Brasil tudo isso é permitido, se os criminosos fazem parte da indústria de invasão de imóveis, descrita na mídia como “movimento social”, e se o seu chefe é um político “de esquerda” – se ele também for candidato à presidência da República, então, melhor ainda.
Hoje em dia o governo do Estado, a Prefeitura Municipal, o Ministério Público e a justiça de São Paulo (e de muitos outros lugares por este Brasil afora) autorizam quase que oficialmente as invasões de edifícios em desuso ou terrenos com problemas de escritura. No momento, para se ter uma ideia do tamanho do buraco, há na cidade mais de 200 imóveis invadidos. Muitas vezes, na verdade, o Ministério Público proíbe que se tome qualquer medida para expulsar os invasores – mesmo quando há sentença judicial ordenando a reintegração de posse, a polícia se vê impedida de agir, ou não recebe ordens do governo do Estado para cumprir a decisão da justiça. De qualquer forma, não há a menor hipótese de acontecer o que deveria ser a coisa mais normal deste mundo: indiciar em inquérito os organizadores da invasão e abrir uma ação penal contra eles. Podem botar na cadeia, condenado a 12 anos, até um ex-presidente da República. Mas um líder dos “sem teto”? Nem pensar. O máximo que as autoridades permitem é que seja feita uma “negociação”. No caso do prédio que foi ao chão em São Paulo, a Prefeitura e os chefes dos “movimentos sociais” já tinham feito seis reuniões.
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Num país em que muita gente boa acredita que os jornalistas praticam um vigoroso “jornalismo investigativo” (a começar por eles próprios, os jornalistas) é realmente uma surpresa constatar que a mídia não faz nenhum esforço minimamente sério para investigar as gangues que exploram a invasão de imóveis nas grandes cidades brasileiras. É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha, como na Bíblia, do que encontrar nos jornais, radio e televisão uma única reportagem que aponte, por exemplo, a responsabilidade dos “movimentos sociais” (e do seu candidato presidencial) num caso como o do prédio que desabou em São Paulo. Cobranças iradas foram dirigidas pela mídia ao prefeito Bruno Covas, ao governo do Estado, “ao Temer”, ao Corpo de Bombeiros, aos equipamentos anti-incêndio e até à “estrutura mista” de concreto e ferro do edifício. Mas mal se ouviu alguma referência ao MTST e grupos do mesmo ramo de negócio – e menos ainda a seu sócio-proprietário, entretido naquele momento em fazer barulho pela “libertação de Lula” em Curitiba. Ao contrário: ele só apareceu no papel de homem público indignado, cobrando das autoridades a “rigorosa apuração dos fatos”, etc., etc. Jornalismo investigativo é isso aí.
Fonte: “Veja”, 02/05/2018