A Argentina vai ao Fundo Monetário Internacional. A economia apresenta um déficit de transações com o exterior –contando comércio de bens e serviços e pagamento de juros, lucros e dividendos– de 5% do PIB, ou uns US$ 30 bilhões.
A dívida pública, somente do governo central, é da ordem de 50% do PIB, sendo que 70% dela é denominada em moeda externa. Quando o câmbio se desvaloriza, a dívida pública aumenta.
Vale entender como chegamos aqui.
Algum tempo depois da grande crise na Argentina entre o fim de 2001 e o início de 2002, quando o país decretou moratória da dívida externa e acabou com a paridade fixa entre o peso argentino e o dólar americano, registrou-se, já no período Kirchner, forte ritmo de crescimento.
Entre 2002 e 2011, a economia cresceu a uma média anual de 6,3%, ou 74% em nove anos.
Três motivos explicam o crescimento: o ponto inicial com elevada ociosidade, em seguida à crise fortíssima; os efeitos benéficos do longo ciclo de commodities; e a colheita das reformas institucionais do governo Menem. Da mesma forma pela qual Lula colheu parte dos benefícios das políticas liberalizantes de FHC.
Evidentemente, o boom de commodities passou, a ociosidade terminou e os efeitos benéficos das reformas institucionais do período Cavallo passaram. Como ocorreu por aqui.
Tanto lá quanto cá, quando o crescimento fraquejou, optou-se por manter a política de pé embaixo. Até esse ponto o paralelismo surpreende.
Por aqui, entretanto, por alguma razão a tolerância do eleitor à inflação e à bagunça fiscal é, em geral, mais baixa. Dilma no segundo mandato começou a arrumar a casa, tanto com Joaquim Levy quanto com Nelson Barbosa. Temer, com Meirelles, continuou.
Muito há a ser feito. No entanto, estamos no caminho certo. Falta a sociedade se pronunciar nas eleições e negociar os detalhes do ajuste fiscal estrutural.
Na Argentina, Cristina Kirchner dobrou a aposta e passou para a oposição a economia estagnada há muitos anos, com inflação na casa de 30% anuais, além do atraso tarifário e do elevado desequilíbrio fiscal.
Chegou um momento em que os desequilíbrios macroeconômicos teriam de ser enfrentados. A arrumação da casa caiu no colo do governo Mauricio Macri.
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O desastre com a inflação é que, uma vez ela tendo início, é muito difícil derrubá-la –e impossível sem custo social. A desorganização representada pela elevação sistemática dos preços demanda aumento do desemprego e da ociosidade. É o doloroso mecanismo disciplinador para impedir aumentos excessivos dos salários e dos preços.
Macri calculou que era mais viável politicamente uma estratégia gradual de enfrentamento da inflação. Talvez a existência por lá de eleição de meio de mandato, que encurta de quatro anos para dois anos o prazo para que o Executivo colha os efeitos benéficos dos ajustes inicialmente implantados, tenha pesado na escolha da estratégia gradual.
O gradualismo tinha como uma de suas hipóteses juro zero mundo afora a perder de vista. Os títulos do Tesouro americano de dez anos rodando a 3% ao ano abortaram o gradualismo.
O exemplo argentino indica que acertamos em termos adotado estratégia de choque no combate à inflação.
HETERODOXIA
A ótima coluna de Nelson Barbosa de sexta-feira (11) mostrou que não necessariamente heterodoxia é incompatível com responsabilidade fiscal.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 13/05/2018