“Não conheço melhor sistema para a representação das minorias, nem pior para a constituição de maiorias”, escreveu Barbosa Lima Sobrinho em 1952. Seu pessimismo sobre a recém introduzida representação proporcional (RP) era também partilhado por muitos atores influentes.
Em “Lições da Crise” (1955), Hermes Lima, homem forte de Getúlio e ex-ministro do STF, atribuiu à representação proporcional “o espetáculo das maiorias feitas aos pedaços, instáveis, artificiais e onerosas que os presidentes e governadores são compelidos a arranjar nas Câmaras”. E apontou para “combinações oportunistas e esdrúxulas que exaurem a vida política num processo contínuo de reajustamentos, compromissos, imposições e cumplicidade. Maiorias débeis vizinhas da corrupção”.
Certas características da nossa RP —exemplo o fato que os distritos eleitorais são estados, alguns gigantescos– exacerbavam os problemas de formação de coalizões e produzia distorções: eleições caras. “Não é por outro motivo que as emendas ao orçamento na Câmara se apresentam aos milhares… Cada deputado necessita de votos no estado inteiro e julga-se no dever de distribuir, por intermédio da lei orçamentária, verbas e auxílios pelo estado inteiro.” Mas sabiamente, Lima também anteviu outro problema: o dinheiro corrompia a RP.
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Sua conclusão mais contundente contra a RP era que “as condições criadas ou exasperadas pelo proporcionalismo se devem à tremenda influência do dinheiro em nossos derradeiros prélios eleitorais. Os gastos eleitorais são astronômicos, as despesas dos candidatos elevadíssimas. O dinheiro corrompeu definitivamente o proporcionalismo nos termos atuais de sua prática”.
Parte do diagnóstico feito por nosso ex-premiê, na década de 50, é repetido por muitos analistas atualmente como se novidade fosse. Sua acuidade estava em reconhecer endogeneidade na relação representação proporcional-corrupção. De fato, a RP em distritos com grande magnitude eleva brutalmente o custo de campanha, que se torna assim o foco das barganhas interpartidárias.
Mas há mais: a corrupção afeta a RP. O dinheiro corrompe as “maiorias débeis”. Mas isso apenas quando as instituições de controle são fracas, o que garante altas taxas de retorno para o investimento corrupto. A questão fundamental ao fim e ao cabo é assim a força das instituições.
Senão como explicar que os gastos em eleições majoritárias também sejam “astronomicamente” altos? Ou que o custo das eleições em Israel ou Holanda onde o distrito eleitoral é o próprio país seja baixo? Ou que a RP não produz distorções onde o Estado de direito prevalece?
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 06/08/2018