Tenho 56 anos. Minha geração, nascida no começo dos anos 60, tinha em torno de 20 anos por ocasião da famosa campanha das Diretas Já de 1984 e depois andava pelos 30 quando foi lançado o Plano Real, em 1994. Nosso final de adolescência/começo da juventude se passou com uma inflação anual de 100% a 200%. Depois, convivemos quase dez anos, como adultos jovens, com o que tecnicamente deve ser qualificado de “hiperinflação reprimida”, quando, entre 1986 e 1993, a inflação era controlada de vez em quando mediante o expediente dos congelamentos, sucedidos por uma explosão dos preços.
Finalmente, depois de 1994 tivemos mais de 20 anos de estabilização, porém com três ressalvas. A primeira é que a estabilidade foi relativa, pois embora a inflação tenha sido bem comportada em relação ao passado mais distante, ela teve muitos altos e baixos: houve anos com taxas baixas como em 1998, quando foi de 2%, mas também outros com taxas bastante altas como em 2002 ou 2015, quando foi de 13% e 11%, respectivamente. A segunda é que se evitou uma maior aceleração dos preços, mas com uma taxa de juros real que, na média de 23 anos, foi muito elevada, da ordem de 10% ao ano. A terceira é que nessas quase duas décadas e meia houve muitas vezes o receio de que a inflação voltasse a aumentar no futuro.
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Em contraste com essa situação, há chances de que talvez o Brasil possa estar iniciando uma fase da sua História, em que esses problemas venham a ficar para trás. Não só poderemos ter uma inflação baixa nos próximos anos, como isso pode ocorrer sem o recurso a taxas de juros reais exorbitantes. Há, sim, possibilidade de o país ingressar numa nova etapa, muito mais saudável que as últimas duas décadas. Muito disso dependerá, porém, das ações a serem tomadas pelo novo governo, mas o panorama é potencialmente promissor.
Desde 1999, quando foi adotado o sistema de metas de inflação, o país vinha definindo a meta com dois anos de antecedência, fixando em junho, por decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN), a meta para os dois anos à frente. Nos 14 anos entre os anos de 2005 e 2018, a meta foi definida em 4,5%. Em 2017, o CMN adotou duas inovações importantes. A primeira foi ampliar o horizonte de referência, passando a definir a meta três anos à frente. E a segunda foi reduzir a meta, para 4,25% em 2019 e para 4% em 2020. Recentemente, já no ano em curso, esse objetivo tornou-se mais ambicioso, com a redução da meta estabelecida para 2021 para 3,75%. A bola está quicando na área para que, no próximo governo, o alvo seja objeto de um soft landing rumo a uma meta definitiva de longo prazo, possivelmente fixada em 3% ao ano sine die.
Há várias razões para a taxa ser fixada nesse nível. Duas delas são as mais importantes. A primeira é que ela corresponde à meta da maioria das economias emergentes que têm alvos estáveis de inflação. A segunda é que ela se assemelha à inflação observada em diversas economias que, de certa forma, faz sentido o Brasil tentar emular. De fato, na média dos dez anos 2008/2017, a inflação anual por país apresentou os seguintes resultados:
Chile, 3,1%; China, 2,3%; Colômbia, 4,1%; Coreia do Sul, 2,1%; México, 4,2%; Peru, 3,1%.
Numa democracia com as demandas sociais como as que existem na América Latina, é razoável argumentar que a inflação apresenta certo viés em relação à taxa observada nos países desenvolvidos. É essa a razão da defesa da escolha de uma meta de 3 %, e não de uma mais ambiciosa, de por exemplo 2 %.
Se o Brasil convergir rumo a uma meta de 3%, com uma inflação próxima a isso e um juro real de médio e longo prazo, daqui a alguns anos, em torno de 3% a 4%, estaremos na presença de um país que nenhum brasileiro viu desde que nasceu: um Brasil com preços estáveis e juros baixos. A dinâmica que isso é capaz de gerar para o investimento poderá ser muito positiva. Isso, obviamente, desde que o próximo governo faça as reformas certas, acabando de equacionar o desafio fiscal.
Fonte: “O Globo”, 28/08/2018
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