Ninguém discorda de que o Brasil é muito desigual e que o peso dos tributos sobre os mais pobres é maior do que deveria ser.
É comum afirmar que tudo se resolveria facilmente com a criação de um imposto sobre grandes fortunas.
As pessoas que têm se debruçado sobre esse problema espinhoso, a maneira de a política tributária reduzir as desigualdades sociais, têm um pouco mais de dúvidas sobre como fazer isso do que Pochmann e Feldman demonstraram em colunas recentes na “Folha”.
Em um primeiro momento, eles dizem literalmente que o déficit primário previsto para 2019 “poderia ser superado pela cobrança de 1% sobre grandes fortunas”.
Quando demonstrado que seus números não se sustentam, escrevem que, com “a reformulação do Imposto sobre Heranças e Doações (ITCMD) e a taxação de dividendos e grandes fortunas, o potencial arrecadatório aproxima-se de 1,5% do PIB”.
Passam assim de uma base tributária possível para outra como se elas fossem intercambiáveis e como se, no final, fosse tudo a mesma coisa.
Instados a apresentar os cálculos, eles silenciam. Feldman argumenta que dados da Receita Federal mostram que as 70 mil famílias mais ricas do país pagam um imposto efetivo de apenas 6% da renda, enquanto a classe média paga 12%.
Esses são dados conhecidos sobre as distorções da tributação da renda. Qual é mesmo a arrecadação possível? Nossos economistas heterodoxos escrevem, falam, andam em círculos, mas conta que é bom mesmo não fazem. É mais fácil chamar os que calculam de inimigos dos pobres.
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As distorções do sistema tributário brasileiro são conhecidas. A complexidade da tributação indireta é a principal. Mas também a tributação da renda precisa ser revista. Minha coluna da semana passada apontou haver consenso da necessidade de elevação da carga tributária sobre os mais ricos.
O que se espera daqueles que pretendem efetivamente contribuir para o debate é que enfrentem cuidadosamente o desafio de pensar como isso pode ser feito.
Um primeiro passo pode ser o de apresentar estimativas que tenham algum respaldo na realidade. Também contribuiria para o debate se os conceitos fossem empregados como um mínimo de rigor. Imposto sobre grandes fortunas incide sobre as grandes fortunas. Aumento de alíquota do ITCMD eleva a tributação sobre heranças e doações.
Ainda que o imposto sobre as grandes fortunas tenha sido abolido em quase todos os países da Europa, nada impede, em tese, que esse seja um caminho possível por aqui.
Mas, nesse caso, seria interessante que fossem analisados os problemas envolvidos na sua criação e implantação. Um problema conhecido é o da fuga de capitais.
Não é à toa que propostas recentes de criação de um imposto sobre grandes fortunas na Europa pensam o tributo no contexto da União Europeia como um todo, e não de cada país isoladamente.
Quando se trata da tributação da riqueza, a base “heranças e doações” é preferível em relação à base “grandes fortunas”.
Estimativas fantasiosas em nada contribuem para a avaliação das potencialidades e riscos dos diversos caminhos possíveis.
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Na coluna passada, mencionei o famoso discurso em que Churchill disse ao povo inglês que somente tinha “sangue, suor e lágrimas” para lhes oferecer. O correto é “sangue, labuta, lágrimas e suor”. Escapou-me a labuta. Não deve ter sido simples esquecimento! Agradeço a meu amigo Manuel Thedim pela correção.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 21/10/2018
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