Tenho me lembrado muito de Peter Sellers. O inglês era perito em simular a dissimulação. Nas suas trapalhadas, tipo derrubar uma pilha de pratos ou entornar um aquário no decote de honorável e corpulenta madame, assumia um olhar de quem acaba de chegar, abduzido, sem a menor ideia sobre que seja prato, aquário ou decote. É o que tenho observado por aqui.
De repente, ninguém tem coisa alguma a ver com as Farc. “Hum? Farc? Que Farc?” A gente tenta explicar: as Farc são a principal fornecedora de cocaína para o crime organizado no Brasil. Uma gente finíssima, da Colômbia, que vive do tráfico de armas e drogas. Que mantém centenas de sequestrados, anos a fio, em campos de concentração. É aquele pessoal que o governo brasileiro se recusa a declarar terrorista, alegando resguardar-se para futuro “papel mediador”, e que certos companheiros gostam de erguer à condição de “força insurgente”… E dê-lhe cocaína pro Brasil. Mas nenhum sinal de reconhecimento. Olhar de Peter Sellers. Eles odeiam Álvaro Uribe, dizem que terrorista é o presidente colombiano, mas Farc, não, não. “Que Farc?”
Um desses “insurgentes” foi vedete do 1º Fórum Social Mundial. Faltou lugar no Teatro do IPE para ouvi-lo sobre “resistência armada”. Note leitor: a Colômbia é um país democrático, com eleição cada quatro anos. Os comunistas de lá bem poderiam buscar o poder no voto. Mas aprenderam, com Cuba, que abrir passagem à bala dá poder por meio século. Olha o Fidel! Assumiu estalando de novo e quando saiu parecia maracujá de gaveta.
Enfim, os colombianos iam e vinham. Davam entrevistas. Usavam codinome. Javier Cifuentes, Julián Romero, Oliverio Medina. Eram vistos em encontros do MST. De tanto circularem por aqui, os rapazes conheciam pelo nome os garçons das boates, elogiavam nossas picanhas e se queixavam do frio. Mas se perguntarmos por eles, se apontarmos os peixinhos no decote da madame, surge aquele olhar de quem simplesmente não sabe o que seja peixinho nem decote. Concluo que vinham por conta e por nada, apreciar o pôr de sol e tomar chope nas bocas da Lima e Silva. Falavam com ninguém, ultrapassavam nenhuma soleira e … voltavam pro mato.
* * *
Na mais recente demonstração de seu totalitarismo, o regime dos irmãos Castro anunciou que libertará meia centena de presos políticos. Ora, companheiros! Se podia soltar, por que prendeu? Se devia prender, por que soltar? E aí, peço que me expliquem: como apoiam um regime desses? “O quê?” Olhar de Peter Sellers. “Sempre reprovamos as práticas do regime cubano!” Em vão você lembrará que uma viagem a Cuba, com Lula ou sem Lula, era prêmio disputado. Que com recomendação partidária, os militantes iam estudar medicina no Caribe. Que o regime podia matar sem constrangimento quantos “negritos” quisesse, porque era sempre com absoluta razão que o fazia. Mercedes Soza desistiu. Até Saramago desistiu. Mas a turma continua fiel. Ainda agora, quando o mártir Orlando Zapata morreu de fome, lá estava Lula, em Havana, tirando retrato abraçado com Fidel. Coube, então, ao nosso presidente, diante daquele desastre moral, fazer olhar de Peter Sellers e explicar seu silêncio alegando que a autonomia das nações merece respeito. Donde deduzi que, para os companheiros, Honduras não é uma nação. Peter Sellers, ao menos, era muito engraçado.
(“Zero Hora” – 31/07/2010)
Recentemente, Álvaro Uribe respondeu com indignação a pronuncimento de Lula sobre a crise entre a Venezuela e a Colômbia. Faltou ao presidente colombiano fazer a Lula a seguinte pergunta: o que faria você, democraticamente eleito, assim como eu, se um grupo paramilitar de brasileiros estivesse tramando sua derrubada e recebendo guarida de um país vizinho?