O Brasil tem investido uma média anual de R$ 10 bilhões em ações de saneamento básico. Esse valor representa menos da metade do previsto para que o País chegue a ter, até 2033, uma rede de cobertura nacional de água e esgoto, conforme prevê o Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab).
Mantido o ritmo atual, dificilmente a universalização seria atingida até 2060, segundo dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI). “O mais preocupante é que os investimentos caíram nos últimos dois anos”, afirma Ilana Ferreira, especialista em infraestrutura da CNI.
Hoje, praticamente metade da população do Brasil, o equivalente a 100 milhões de pessoas, não tem acesso à coleta de esgoto. Pelo menos 35 milhões de brasileiros vivem sem abastecimento de água encanada nas periferias do País. A cada 100 litros de esgoto lançados diariamente no meio ambiente, 48 litros não são coletados. Cerca de 1,5 bilhão de metros cúbicos de esgoto coletado não é tratado.
Mito. Os dados expõem a fotografia do que há de pior na infraestrutura do País. Essa precariedade faz parte do dia a dia dos mais de 100 mil moradores da favela do Sol Nascente, no Distrito Federal. A 32 quilômetros de distância do Palácio do Planalto, saneamento básico é um mito.
No colo da avó, o pequeno Lucas, de 2 anos, se revira na cama e chora aos soluços. Sua pele foi tomada por urticárias. A avó Maria Joana dos Santos pega o menino no colo e tenta acalmar a criança. “Olha isso. É a água”, diz ela. “É a água suja daqui que fez isso com meu menino.”
A rede de água e esgoto ainda não bateu na porta de Maria Joana e seu neto. O menino vive doente, com tosse e coceira pelo corpo. Na semana passada, uma chuva forte formou um rio de barro e lixo na porta de casa. Maria tentou sair com o pequeno nos braços, mas escorregou. Foram carregados por alguns metros no lamaçal misturado ao esgoto.
MP do Saneamento. Para a diretora-presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), Christianne Dias, a destinação de toda essa sujeira poderia começar pelo Congresso. O governo aguarda a votação da Medida Provisória 868 para tentar colocar ordem no setor de saneamento, que hoje padece de uma gestão sem regras padronizadas entre municípios, Estados e União. “Esse problema nunca terá solução se não adotarmos parâmetros únicos, que todos sigam. É isso que estamos buscando”, diz.
As empresas têm estudado o assunto e garantem que seria possível fazer dinheiro com a prestação desses serviços em parte dos municípios do País, por meio de contratos de concessão. Além disso, há efeitos colaterais benéficos. A estimativa é a de que, para cada R$ 1 investido em saneamento, gera-se retorno de R$ 2,50 ao setor produtivo.
Esgoto. Fernando Franco, presidente da Associação Brasileira de Agências de Regulação (Abar), diz que esse pode ser um caminho positivo, mas lembra que a cobrança de tarifas de saneamento no Brasil ainda é tratada como assunto proibido por muitas prefeituras. “Hoje, há 1,5 mil municípios no País que não têm nenhuma regulação sobre a área de saneamento e não querem nem ouvir falar disso, justamente para que os recursos destinados à área possam correr facilmente e sem fiscalização”, comenta.
A viabilidade econômica do serviço é outra dificuldade. A Abar avaliou as contas dos serviços prestados em 398 municípios. “O resultado mostrou que, em 99,3% dessas cidades, o valor da tarifa média de esgoto era inferior ao valor da despesa total com o serviço. Somente em 0,75% dos casos (três municípios) essa conta fechava. Portanto, como está, não há viabilidade econômica”, diz Franco.
Em muitas cidades do País, principalmente nos Estados das regiões Centro-Oeste e Norte, não há cobrança por serviços de água e esgoto. Com alguns centavos por mês de cada cidadão, seria possível viabilizar o serviço, dizem especialistas.
Para Malvina Moreira, 50 anos, moradora do Sol Nascente que, diariamente, tem de retirar o lixo jogado na porta de sua casa, não se trata apenas da cobrança de mais alguns centavos por mês nas faturas. “Falta um pouco de educação da população também”, afirma ela. “Se quero um lugar melhor, tenho de ajudar a melhorar esse lugar”, acrescenta.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”