O descaminho da reforma tributária põe em xeque as expectativas sobre a capacidade do governo Jair Bolsonaro de recuperar a economia. O principal ponto de atenção é a tentativa de recriar um imposto sobre contribuições financeiras.
Denominado Contribuição Previdenciária (CP) e imaginado como forma e suprir a deficiência de arrecadação criada pelo fim da contribuição das empresas sobre a folha de pagamento, o novo imposto ressuscitou o pior fantasma tributário na mente do brasileiro: a CPMF, o imposto do cheque extinto pelo Congresso em 2007.
O governo argumenta que o novo imposto seria distinto e tenta apresentá-lo como um forma de taxação mais adequada, por atingir também setores informais e simplificar a arrecadação. Não apresenta nenhum embasamento acadêmico para tal afirmativa.
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A verdade é que não existe. Todas as evidências recolhidas por economistas a respeito dos impostos sobre transações financeiras atestam o contrário do que o governo pensa a respeito. Taxas nos moldes da CPMF ou da CP apresentam três defeitos.
Primeiro, incentivam a circulação de recursos fora do sistema bancário e as transações em dinheiro vivo. Os valores imaginados pelo governo para a alíquota desejada não levam em conta tal mecanismo. Levantamentos feitos com dados da época da CPMF sugerem que a arrecadação cairia até 40% sobre os patamares aventados. Se aumentar a alíquota para tentar recuperá-la, o governo estará diante do impasse clássico do taxador, pois estimulará ainda mais a sonegação.
Segundo, induzem a ineficiência produtiva. No formato proposto pelo goveno, a tal CP seria cobrada nas duas pontas da transação financeira, tanto de quem compra quanto de quem vende produtos e serviços. Ao contrário de impostos sobre o valor adicionado, incidiria várias vezes sobre a mesma cadeia de produção e estimularia as empresas a concentrar atividades internamente. A verticalização diminuiria o ganho trazido pela competição dessas atividades no mercado e reduziria ainda mais a já exígua produtividade da economia brasileira.
Terceiro, são injustas, pois recaem de modo uniforme sobre todas as transações. Impõem os mesmos custos a todo tipo de contribuinte. É compreensível que alguns empresários vejam vantagem na CP em relação à contribuição sobre a folha de pagamento, pois passariam a dividi-la com todos os consumidores. O cidadão comum, em especial o mais pobre, ficaria com a conta.
Não é de hoje que o secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, tem uma espécie de fetiche pela cobrança de impostos nas transações financeiras. Ele foi, nos anos 1980, o autor original da proposta do “imposto único”, ressuscitada por um grupo de empresários interessados em extinguir as demais formas de taxação (este post explica por que tal ideia não passa de delírio).
A CP proposta do governo guarda mais semelhança com a velha CPMF que com a fantasia do imposto único. É rechaçada por economistas de todas as correntes, liberais e desenvolvimentistas – quase por unanimidade, feito surpreendente em nossa cena conflagrada.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia instalou a Comissão Especial da reforma tributária logo depois da aprovação da reforma da Previdência no primeiro turno, com base na proposta do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), apresentada pelo deputado Baleia Rossi.
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Ela diverge da proposta que deverá ser encaminhada ao Congresso por Cintra ao unificar, num novo imposto sobre valor adicionado, dois impostos estaduais e municipais além de três federais. Caberá ao Parlamento decidir se adota essa ideia ou a do governo, que reúne apenas os federais. A tentativa de ressuscitar o imposto sobre transações financeiras contribui apenas para tornar o cenário da reforma tributária mais turvo.
Maia já declarou que ela não tem condição alguma de prosperar no Congresso. Poderá ter, contudo, um efeito político nefasto. Pacificados pela tramitação da reforma da Previdência, Executivo e Legislativo deverão voltar a se afastar. A nova CPMF é um alvo fácil de atacar, pois desperta repúdio instantâneo na população. É o pretexto ideal para qualquer congressista que queira distância deste governo num momento em que a economia estagnada não esboça reação.
Fonte: “G1”, 13/08/2019