Por Arminio Fraga
Economista, é ex-presidente do Banco Central.
Trinta anos atrás o Muro de Berlim foi derrubado. O Ocidente havia ganho a Guerra Fria, e a partir daquele ponto a democracia liberal seguiria sua marcha triunfal em direção a um mundo pacífico, próspero e integrado.
Em 1994 o Nafta entrou em vigor. Em 1999 o euro entrou em circulação. Houve avanços na Ásia também.
Em 2001 a China entrou para a OMC (Organização Mundial do Comércio), marco da guinada em direção ao mercado iniciada por Deng Xiaoping em 1978. Faltava a democracia, mas seria apenas uma questão de tempo para que alguma abertura política ocorresse, bem ao estilo chinês, gradual em tudo, menos no crescimento.
Mas o inevitável não aconteceu, muito pelo contrário. Mundo afora nacionalismo, autoritarismo e populismo só fizeram crescer desde então, em várias combinações, com clara perda de qualidade democrática.
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A Rússia, perdedora da Guerra Fria, segue autoritária e se reinventou como potência energética e guerrilheira nas redes. A Turquia, por um tempo esperança de um islã secular e democrático, vem se tornando menos secular e mais autoritária. O Leste Europeu virou palco de regimes de extrema direita, roedores de suas democracias. O Reino Unido votou pela saída da União Europeia.
A China, a partir da recondução de Xi Jinping, reforçou limites à liberdade pessoal e na internet, aumentou a presença do partido na governança das principais empresas privadas do país, introduziu controles de câmbio e endureceu com os inimigos do sistema.
Por fim, Trump vem pautando sua atuação por posições preconceituosas e obscurantistas, e declarou guerra econômica à China. Pausa aqui: as duas maiores nações do planeta não estão se entendendo. Um perigo.
Com tanta incerteza e após longa fase de crescimento, não surpreende que a economia global exiba claros sinais de cansaço. Esse quadro externo é particularmente preocupante para o Brasil.
De um lado, a crise global da democracia liberal estimula aventuras perigosas. De outro, a desaceleração da economia global pega o Brasil fragilizado, ainda perto do fundo do poço, com sérios problemas fiscais, imensas desigualdades e falta de oportunidades.
A essa altura, as atenções começam a se voltar para as eleições de 2020 nos Estados Unidos. No campo democrata, mais de 20 candidatos estão participando das primárias. Falta ao partido coesão e uma estratégia. Observadores da cena americana, como David Brooks do New York Times, temem que o resultado venha a ser a reeleição.
Brooks recomenda como resposta a esse desafio que os democratas tratem de reconstruir a infraestrutura moral do país.
Para tanto, seria necessário dar destaque a alguns valores básicos ainda compartilhados pela maioria, que traduzo e resumo assim: unidade (o líder deve governar para todos), honestidade (não há democracia sem respeito pela verdade), pluralismo (a diversidade enriquece a vida), solidariedade (bondade e compaixão) e oportunidades (para todos).
Enquanto isso, vê-se por aqui mandonismo, personalismo, nepotismo, truculência, obscurantismo e desrespeito a instituições. Exemplos recentes incluem questionamentos de dados do IBGE e do Inpe, ameaças à autonomia da Receita Federal e da Polícia Federal, brigas com os apoiadores do Fundo Amazônia, desautorizações de subordinados e a indicação para a embaixada em Washington.
Esse clima é grave. Não se pode menosprezar, para a economia, a importância do bom funcionamento das instituições e da política. Com tanto ruído, uma constante desde o início do governo, não surpreende que o investimento siga em baixa histórica e o crescimento, anêmico.
+ Marcus André Melo: A fogueira perfeita: quais as consequências da crise?
Que defesas temos para aguentar as ameaças à nossa jovem democracia? Que valores podem iluminar o caminho rumo a um crescimento sustentável e inclusivo?
Nos protege sobretudo um debate público aberto e livre. O Legislativo vem cumprindo com sua missão, a despeito dos sinais ambíguos que emanam do Executivo. A sociedade civil vem se posicionando também, ainda que pressionada. Não é pouco, mas não tem sido suficiente.
Quanto a valores, os universais listados por Brooks nos cairiam feito uma luva.
Fonte: “Folha de S. Paulo”