Por
Celso Sá Bastos Junior
Vivemos um momento de grandes expectativas para o país. Inúmeras reformas, que há muito são esperadas, vêm ganhando corpo, atraindo olhares internacionais para a fragilizada economia tupiniquim. E uma dessas, talvez a menos famosa até poucos meses, emerge com forte protagonismo do Estado do Rio de Janeiro: a liberalização do mercado de gás natural finalmente começa a ser implementada.
O Novo Mercado de Gás traz quatro pilares básicos: promoção da concorrência, integração com setor elétrico e industrial, remoção de barreiras tributárias e harmonização das regulações estaduais e federais. A consolidação desse programa já tem seu caminho desenhado através da Resolução 16/2019 do CNPE, que estabelece diretrizes gerais para aumentar a competitividade no setor, e pela aprovação do TCC entre CADE e Petrobras, responsável por selar acordo sobre a redução da participação da estatal no mercado.
No mesmo sentido, a atuação das agências reguladoras é de fundamental importância. Na esfera federal, a ANP regulamentará o acesso de terceiros às infraestruturas essenciais e o aperfeiçoamento do sistema de transporte da molécula. Já na esfera estadual, mais especificamente no Rio, a AGENERSA sai na frente ao aprimorar a regulamentação sobre a distribuição de gás canalizado, separando esta atividade da comercialização e modernizando o regramento de consumidores livres.
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A recente movimentação da agência fluminense trouxe ainda mais holofotes para o debate. Se por um lado houve certa euforia por parte do setor produtivo, principalmente industriais, com expectativa de mais eficiência para a concessão e margens menores no longo prazo, por outro houve preocupação com possíveis judicializações e quebras de contrato, como relatado pela ABEGAS, órgão de classe que representa as distribuidoras. Segunda a própria AGENERSA, todos os contratos foram devidamente considerados e respeitados, com a construção de um arcabouço regulatório focado na previsibilidade e sem a necessidade de aditivo contratual.
Outro ponto que desperta divergências é a construção de novas infraestruturas para atender a esse mercado. Nossa rede de gasodutos é constantemente comparada com a de outros países, como Argentina e Estados Unidos. No caso dos nossos hermanos, a rede possui cerca de três vezes o tamanho da nossa, enquanto a dos nossos amigos yankees supera em cinquenta vezes o tamanho da brasileira. O que não costuma ser comentado é que parte dessa diferença tem uma razão concreta: vivemos num país tropical, com temperaturas constantemente elevadas. Isso tira do nosso gás a responsabilidade de fornecer aquecimento para residências, e nos coloca em situação distinta a dos países em comparação.
No Brasil, devido à especificidade relatada acima, a universalização do atendimento a residências com gás canalizado não é uma questão de segurança nacional. Faz sentido que tenhamos uma maior concentração da infraestrutura na costa, principalmente em regiões mais próximas a áreas com forte produção do hidrocarboneto. Como os investimentos na ampliação da rede são extremamente custosos, empreendimentos que utilizam a molécula como insumo tendem a estar perto das zonas produtoras, a fim de evitar os custos elevados de transporte. Isso caracteriza o que chamamos no economês de uma vantagem comparativa, termo utilizado em referência a uma determinada vocação regional.
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E, se é possível transferir os riscos desses investimentos para iniciativa privada, por que não fazê-lo? É aí que entram os consumidores livres, servindo como âncoras do desenvolvimento, devido ao seu elevado nível de consumo, e reduzindo o custo de expansão da rede, pois alocam o custo do investimento dentro de seus próprios projetos, sem onerar a tarifa de outros clientes. Em contrapartida, mantém-se o monopólio natural por parte das distribuidoras, através da contratação das mesmas como operadoras desses dutos, além da possibilidade de utilizá-los para o abastecimento de novas áreas.
As reformas do Novo Mercado de Gás geram um cenário de ganha-ganha, com aumento da eficiência em todos os elos da cadeia. Precisamos de medidas que caminhem no sentido do aumento da produtividade, e não da criação de rubricas voltadas ao financiamento de gasodutos com baixo retorno econômico, como vimos na recente discussão sobre o Brasduto. Se temos que direcionar o escasso capital estatal em investimento com retornos extremamente longos, que seja feito em saneamento básico, mas isso é tema para uma outra discussão.
Fonte: “Terraço Econômico”, 03/09/2019