Solidão, angústia, medo: o processo de distanciamento social usado para combater o avanço do coronavírus teve um efeito claro sobre a saúde mental de muitas pessoas. O reflexo disso pode ser verificado no aumento da procura de serviços de startups de terapia online e ferramentas digitais de saúde mental. Startups como Telavita, Vittude e Zenklub, que oferecem atendimento psicológico pela internet, registraram alta de pelo menos dois dígitos na procura por serviços e no número de novos clientes nas últimas semanas.
“O isolamento é muito agressivo. Primeiro, ele priva do contato com outras pessoas. Segundo, existe a administração da nova rotina para acomodar trabalho e família no mesmo ambiente. Isso gera ansiedade e estresse”, diz Milene Rosenthal, fundadora da Telavita, uma plataforma de psicoterapia online que está no mercado desde 2017 e cobra R$ 100 em média por consulta. Segundo Milene, a startup teve um aumento superior a 80% no número de sessões feitas pela internet nas últimas semanas.
A executiva projeta um crescimento ainda maior, devido a decisões recentes do Conselho Federal de Psicologia (CFP). Desde 2018, a entidade regulamentou o atendimento psicológico online, mas com algumas barreiras. No final de março, porém, o CFP autorizou psicólogos a realizar atendimentos online em casos graves, de emergência e com vítimas de violência – o que não era permitido anteriormente.
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A medida visa permitir que pacientes não fiquem sem atendimento durante a pandemia. “As pessoas que estavam saudáveis podem adoecer com o isolamento se não houver ação. Mas tem também as que estavam doentes, não sabiam, e agora isso veio à tona. Os transtornos mentais não sangram, mas estão lá”, diz Milene.
Incerteza
As companhias afirmam que muitos usuários apontam a incerteza pelo futuro, em termos sociais e econômicos, como motivo pra buscarem apoio. Outra razão para a busca por atendimento são as situações de luto antecipado, quando as pessoas temem perder familiares. “Entre os motivos que fazem as pessoas procurar nossos serviços, tivemos aumento de 70% no quesito ansiedade, 75% em conflitos amorosos e 23% em pânico”, conta Rui Brandão, fundador da Zenklub, que está desde 2016 no segmento e que também conecta pessoas a psicólogos por consultas que custam cerca de R$ 80.
Nas ferramentas da empresa que ajudam as pessoas a identificar o que estão sentindo, Brandão diz que houve alta de 20% no número de indivíduos que se identificaram como ‘tristes’. O executivo fala que a plataforma teve aumento de 102% nos acessos – já o crescimento de novos clientes foi de 85%. “Isso mostra que as pessoas não estão apenas interessadas. Elas estão necessitadas desse tipo de apoio”, diz.
Já a startup Hisnëk, dona de uma assistente emocional digital para ajudar pessoas a entenderem melhor o que estão sentindo, acredita que deve chegar a 1 milhão de usuários por conta do confinamento, afirma Carol Dassie, fundadora da startup.
A Vittude, por sua vez, percebeu um aumento em testes para detectar ansiedade – a startup tem consultas que variam de R$ 50 a R$ 350, dependendo do profissional escolhido. Parte do problema está ligado ao mundo profissional, diz Tatiana Pimenta, que fundou a startup em 2016. “Tenho clientes que dizem estar em ‘prisão office’ por não ter nem estrutura para trabalhar”, afirma ela.
Política
O contexto político conturbado vivenciado em plena pandemia tem potencializado ainda mais as ameaças à saúde mental das pessoas. A Telavita percebeu aumento de cerca de 60% na procura dos usuários após o pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro na semana de 24 de março – no comunicado, ele chocou muita gente por contrariar recomendações de organizações de saúde.
“Com a polarização, o grande ponto que surge é: ‘eu não sei a quem devo ouvir. Em quem devo acreditar em tempos de fake news?’”, conta Tatiana, da Vittude. Quando esse tipo debate é travado entre familiares, o nível de estresse e angústia tendem a aumentar, diz ela.
Com a impossibilidade de receber pacientes nos consultórios, psicólogos também passaram a procurar mais as plataformas. Entre fevereiro e março, a Vittude viu sua base de profissionais crescer de 4 mil para 5 mil. A startup também conecta pacientes com consultórios físicos, e viu um movimento em direção completa ao ambiente digital. Antes da crise, entre 15% e 25% de suas consultas eram no mundo físico. Agora, 100% acontecem no mundo digital. Já a Zenklub aponta aumento de 400% na procura de profissionais para ingressarem na base da empresa – Brandão diz que o quadro chega atualmente a 20 mil nomes.
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Empresas
A busca por essas startups não está partindo só de pessoas físicas. Segundo as companhias, os negócios aceleraram também porque empresas estão buscando oferecer serviços de saúde mental para os seus funcionários durante o período de isolamento – tanto para os que estão em home office quanto para quem precisa estar fisicamente no local de trabalho.
“Já havia um aumento do mercado corporativo por conta do crescimento de transtornos mentais no Brasil. E isso se reflete na empresa em afastamentos do trabalho”, diz Milene, da Telavita. “Em alguns casos, os transtornos geram acidentes de trabalho. Então, a telepsicologia acaba sendo importante para o funcionário e para a empresa”. A startup viu aumento de 400% do interesse de organizações de diversos segmentos em fechar contratos.
“A grande maioria das empresas não estava pronta para a situação atual, com suporte psicológico acessível e digital”, diz Tatiana, da Vittude, que viu crescimento de 300% na busca por clientes corporativos, incluindo nomes como Banco do Brasil, 99 e Resultados Digitais. “Tem empresas entrando em contato querendo fechar contratos rapidamente, o que normalmente não é a realidade”. Por conta da pandemia, a startup viu sua base de potenciais pacientes (ou seja, pessoas que podem acessar o serviço) pular de 30 mil para 100 mil, por causa da contratação de empresas.
A Zenklub também está vendo crescimento similar. “Tivemos aumento de 500% no cliente corporativo”, afirma Brandão. A empresa tem parcerias com algumas das principais startups do Brasil, como Nubank e Gympass.
Fonte: “Estadão”