Como será a ordem econômica mundial no pós-pandemia: haverá o recrudescimento da atual tendência nacionalista ou uma mudança de rumo? Há razões para acreditar no segundo cenário. Afinal, como diz Delfim Netto, “a história é escrita por acidentes”. Acidentes causam inflexões.
A crise global de 2008, fruto de erros de governantes, trouxe muito descontentamento social e despertou sentimentos nacionalistas e antidemocráticos, alimentando políticos de perfil populista.
Nos EUA, como aponta Luigi Zingales, a bronca veio dos que se sentiram deixados para trás, penalizados por desemprego e execução de hipotecas, em meio à visão de que o mercado financeiro, o causador da crise, saíra ileso. Não foi diferente na Europa.
O descontentamento se espalhou entre os países emergentes com maior fragilidade interna, conforme a perda de ímpeto do comércio mundial e o fim do ciclo de commodities reduziram seu ritmo de crescimento. O maior símbolo foi a Primavera Árabe.
Não se pode negar a influência do quadro internacional no Brasil, mas a insatisfação e o apelo ao populismo foram muito mais frutos de nossos erros – a corrupção e a política econômica que causaram a recessão passada.
A crise de 2008 aumentou nos países desenvolvidos o sentimento contra a globalização, apesar do seu impulso a ganhos de produtividade e crescimento mundial. A desigualdade, em trajetória ascendente mesmo antes da crise, por conta da perda de empregos em favor de pares nos países emergentes, se agravou. E da pior forma: a queda da renda dos mais pobres.
Foram os emergentes que mais ganharam com a globalização, principalmente pelo forte crescimento do comércio mundial após a entrada da China na OMC em 2001. A redução da pobreza e o surgimento da nova classe média não foram exclusividades do Brasil.
Alguns acreditam que a pandemia irá exacerbar a antiglobalização, pela busca dos países em reduzir a dependência externa de produtos estratégicos. Algo preocupante, inclusive para a geopolítica, pois o comércio mundial promove a cooperação entre as nações.
No entanto, poderá haver correção de rumo. A falha de populistas em lidar com a pandemia, em contraposição ao sucesso de lideranças liberal-democráticas, poderá enfraquecer a pauta antiglobalização.
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Nesse contexto, as eleições nos EUA ganham maior importância. Mesmo sendo a guerra comercial China-EUA um assunto de Estado, e não de governo, a saída de Trump poderá facilitar as negociações. Mais importante, uma postura mais agregadora do próximo presidente poderá ajudar na composição de países avançados com vistas a conter excessos da China.
Não sem razão esses países são críticos à OMC, pois foi dado à China o acesso a mercados do Ocidente, sem cobrar medidas para proteger a propriedade intelectual, fortalecer o estado de direito e dar tratamento equivalente a empresas estrangeiras em seu território.
Uma maior coalizão dos países, incluindo emergentes que desejam a globalização, irá significar um saudável contraponto à China, que expande sua influência.
Enquanto isso, Xi Jinping, a 7 anos no poder, enfrenta questionamentos por conta da forma omissa com que lidou com a pandemia. Desgastado, o líder chinês poderá enfrentar dificuldades para um terceiro mandato em 2022, ainda que a economia se recupere rapidamente.
Os EUA terão oportunidade de retomar a ordem mundial liberal, mas promovendo o compromisso com políticas sociais. Os benefícios do liberalismo precisam ser melhor compartilhados com a sociedade.
Novos ventos poderão trazer uma maior integração de parceiros comerciais tradicionais, afastando o cenário de isolamento e conflito entre as grandes nações.
No Brasil, a captura desses (possíveis) ventos dependerá do surgimento de lideranças políticas de perfil liberal-democrático com capacidade de competir em 2022. Até lá, teremos de lidar com o isolamento político do País na arena mundial e as crescentes pressões externas diante das falhas em lidar com a saúde e o meio ambiente.
Mundo mais complexo, mas não inexoravelmente pior.
Fonte: “O Estado de São Paulo”, 16/7/2020