O Brasil não é para principiantes, como dizia Tom Jobim. Definitivamente, não é uma tarefa trivial analisar nossas preferências em relação às políticas públicas.
Demandamos cada vez mais o aumento de gastos como se essa fosse a forma adequada de suprir a péssima qualidade do serviço prestado. Despesas são aprovadas, sem foco no seu desenho e sem a exata noção de quanto nos custarão. Depois, procuramos as fontes de recursos.
Realocar gastos pouco eficazes ou eliminar privilégios, nem pensar. Propomos, então, mais impostos, mas desde que recaiam sobre os ricos.
Crises deveriam ser um alerta para o perigo de não dar atenção para o financiamento dos gastos do governo, pois elas, na maioria das vezes, resultam de expressivos déficits fiscais. No entanto, esta crise é diferente, resultado de um choque exógeno que colocou o mundo todo em recessão, gerou uma abundante liquidez internacional e juros muito baixos. Situação perfeita para o surgimento de ideias que não sobreviveriam em condições normais.
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Propostas para aumento de gastos não faltam. Um novo programa de sustentação da renda será apresentado pela equipe econômica. É evidente que o resultado não será apenas um remanejamento de programas sociais já existentes, buscando maior eficiência e foco do gasto. O auxílio emergencial já fixou um padrão elevado para o benefício, que será difícil de reverter, dada a fraqueza do governo.
O Congresso já começa a trabalhar sua contraproposta a partir da criação da Frente Ampla pela Renda Básica, que, sem dúvidas, será bem generosa. A ela se juntarão demandas por mais verbas para educação, saúde e infraestrutura. Isso sem falar no imbróglio da desoneração da folha, cujo veto presidencial acabou tornando sua ampliação inevitável.
A tudo isso se somarão os gastos já contratados com a renovação do Fundeb e a compensação da Lei Kandir. As mudanças no BPC, ora judicializadas, em breve também emplacarão.
O teto de gastos está por um fio, como se esse fosse o problema. Ocorre que o teto é apenas um mecanismo de controle do nosso impulso de gastar sempre mais. Sem essa âncora fiscal, certamente não navegaríamos a crise com juros baixos. Derrubar o teto não nos livrará de uma obrigação básica: gastos precisam ser pagos ou o crédito secará.
Retirar alguns gastos do teto também não ajuda. O Fundeb, por exemplo, já está fora do teto, mas como pagar o aumento desse gasto? Imposto ou dívida? A qualidade da educação vai mesmo melhorar quando 70% do Fundeb vai para aumento dos salários de servidores que gozam de estabilidade?
Vivemos na ilusão de que podemos aumentar o endividamento para todo o sempre, afinal temos juros baixos. Mas até quando? Qualquer devedor sabe que os juros cobrados em seus empréstimos dependem de sua capacidade de pagamento. Quem financiará um país cuja trajetória dos gastos é explosiva?
Hoje estamos rolando nossa dívida a um prazo curtíssimo, já que os juros longos não são nada baixos. Sem teto e com gastos crescentes, o juro curto se deslocará para longe da Selic. Os investidores irão demandar ágio, e as expectativas de inflação começarão a subir.
Ou se gera superávit primário ou se aprovam reformas que acelerem o crescimento. Enquanto evitarmos discutir o tamanho e a qualidade dos nossos gastos, seremos empurrados para um aumento da carga tributária.
Para piorar ainda mais as perspectivas de crescimento, há o desejo de fazer distribuição de riqueza através da tributação com impostos sobre patrimônio e grandes fortunas. É desejável aumentar a progressividade da carga tributária, mas achar que impostos reduzirão a desigualdade social é uma ilusão.
Nosso sistema tributário já é complexo, repleto de regras especiais e pouco transparente. Precisamos de um redesenho amplo, cuidadoso e que crie um ambiente propício ao crescimento.
Nos últimos 20 anos, a carga tributária (incluindo as renúncias) aumentou em dez pontos percentuais do PIB. Qual a melhora que tivemos nos serviços públicos e no crescimento? Ilusão achar que a conta cairá no colo dos outros.
Fonte: “Folha de São Paulo”, 30/7/2020