Nas duas primeiras reuniões privadas feitas pelo Banco Central com economistas do mercado para a elaboração do próximo Relatório de Inflação (RI), o tom mais pessimista em relação ao rumo das contas públicas foi consensual e marcou a preocupação dos agentes com os efeitos que a maior incerteza fiscal deve ter sobre a inflação e a atividade econômica. O Valor conversou com participantes das duas reuniões, que relataram uma sensação de mais preocupação diante do aumento dos riscos fiscais.
No primeiro encontro, alguns economistas falaram sobre uma mudança no regime fiscal, enquanto outros classificaram a situação atual como uma deterioração fiscal muito grande. “Não houve exatamente um consenso no grupo”, disse um dos participantes. Segundo ele, alguns apontaram que ainda há uma regra do teto de gastos, enquanto outros disseram que o teto agora pode ser mudado sempre que houver restrição a algum gasto que se queira fazer.
De forma geral, a visão mais negativa em relação ao risco fiscal já se materializou nas perspectivas para a atividade econômica entre os participantes da primeira reunião. “Um ponto comum da fala de todos os que participaram esteve na piora da política fiscal, no sentido de trazer incerteza e gerar variação positiva do gasto público, depois de muito tempo sem aumentar a demanda agregada. Outro ponto é o risco fiscal pesando sobre a atividade, e algumas pessoas comentaram que a piora nas perspectivas de crescimento está associada às condições financeiras, algo que também se deve à piora fiscal”, afirmou um participante.
Ainda na primeira reunião, houve alguma divergência entre os presentes sobre uma possível contração da atividade no próximo ano. As projeções para o PIB de 2022 da maioria dos participantes ficaram entre um recuo de 0,5% e crescimento de 0,5%, com alguns apontando uma expansão em torno de 1%. Alguns economistas esperam que o PIB de 2022 receba apoio da agropecuária e da normalização do setor de serviços, o que ajudaria a prevenir uma recessão.
Já na segunda reunião do dia, não houve expectativa de recuo do PIB de 2022 entre os economistas que expuseram seus cenários. As visões para o crescimento de 2022 ficaram entre zero e 1%. Vários participantes estimaram projeções em torno de 0,6% devido ao carrego estatístico, enquanto alguns mais construtivos citaram um crescimento em torno de 1% diante do impulso a se materializar no setor de serviços e de algum apoio da agropecuária.
No segundo encontro do dia entre os economistas de mercado e o BC, a discussão inflacionária foi o principal tópico para alguns agentes que conversaram com o Valor após a reunião. De acordo com alguns presentes, seria possível dividir o grupo de economistas da segunda reunião entre os pessimistas e os menos pessimistas em relação às perspectivas para a inflação.
“Alguns participantes veem possibilidade razoável de desinflação, mas que em grande parte é justificada pela abertura do hiato [do produto – medida da ociosidade da economia] e pelos gargalos nas cadeias produtivas sendo menos importantes”, disse um analista. Um número “não desprezível” de participantes da reunião acredita que deve haver desinflação, levando o IPCA pouco acima de 4% em 2022. Por outro lado, alguns revelaram projeções bem mais altas, entre 5,5% e 6%.
Em relação a 2023, um economista observou que houve uma discussão ampla em que foram ouvidos argumentos que apontavam que a inflação poderia desgarrar um pouco acima do centro da meta, enquanto outros indicaram riscos de o IPCA ficar abaixo da meta. “Mas o principal é a sensação de que o ano-calendário [de 2023] já está presente, de forma bastante evidente, na discussão entre os analistas”, afirmou o economista.
Já no primeiro encontro, vários participantes apontaram que seria melhor, do ponto de vista fiscal, estender o auxílio emergencial no lugar da PEC dos Precatórios, já que seria algo válido até 2022 e o próximo governo poderia definir o futuro do programa. Esses economistas também acreditam que faz sentido uma piora nos preços dos ativos, uma vez que não há parâmetros sobre o programa e mais incerteza exige prêmios de risco mais altos.
Fonte: “Valor Econômico”, 09/11/2021
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