O Instituto Millenium entrevistou João Batista Oliveira, referência nacional em educação, sobre as causas da ineficiência brasileira na área. O especialista atuou como professor, pesquisador, consultor, foi secretário-executivo do MEC (1995) e idealizou o programa Acelera Brasil, que visa acelerar e corrigir o fluxo escolar com o apoio do Instituto Ayrton Senna.
Para Oliveira, o país gasta mal com educação e precisa conhecer as variáveis da área para investir de forma eficiente: “O outro entrave é o afobamento, o Brasil quer fazer tudo sempre. Quer universalizar o ensino fundamental, a pré-escola, a creche, a pós- graduação, e não tem dinheiro.”
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Instituto Millenium: Vários indicadores mostram que o Brasil está bem atrás de alguns países em relação à educação. O país gasta mal em educação?
João Batista Oliveira: Muito mal. Ele gasta mal na alocação de recursos entre as instâncias: governo federal, estadual e municipal. Gasta mal na alocação de recursos quando não há um pacto federativo bem resolvido: o governo federal manda dinheiro direto para a escola, para os estados, o governo gasta com ensino superior, mas também tem escola de ensino médio. Dentro do estado também tem duas redes. Então, por falta de um pacto federativo bem resolvido, você tem fortíssimas ineficiências na alocação de recursos entre os níveis da federação e desses na operação. Há redes de ensino com superposição de escolas etc., além de uma péssima alocação de recursos sobretudo nas políticas de remuneração de professores.
O salário acaba sendo baixo, mas quando você pega o volume total e divide pelo volume de pessoas que seriam necessárias, o salário poderia ser muito maior se houvesse eficiência na alocação. É mal gasto tanto do ponto de vista institucional quanto do ponto de vista da eficiência econômica.
Instituto Millenium: E qual o principal entrave hoje para o desenvolvimento da educação no Brasil?
Oliveira: Falta um país com um entendimento do que sejam as variáveis, as condições necessárias e suficientes para produzir qualidade. Você vê, por exemplo, o debate atual sobre o Plano Nacional de Educação (PNE)… Existem metas e planos de mais investimento na educação e não se cuida das variáveis fundamentais: ter um plano de carreira decente para atrair novos professores, ordenamento básico do que se deve ensinar nas escolas, diretor da escola com autoridade para administrar a escola – e não para responder a interesses políticos – ter um sistema de avaliação ligado ao currículo e consequências se as coisas deixarem de acontecer.
Essas cinco variáveis básicas que são características de uma política educacional bem sucedida, de qualquer projeto de reforma da educação, nós não temos. O outro entrave é o afobamento, o Brasil quer fazer tudo sempre. Quer universalizar o ensino fundamental, a pré-escola, a creche, a pós- graduação, e não tem dinheiro. Então eles gastam os recursos, e acabam gastando de maneira ineficiente, e o mais prejudicado é o pobre. Nunca o programa é suficiente para que ele mude de vida.
Instituto Millenium: Qual o prejuízo econômico que a má formação do cidadão traz ao país? Para economia o impacto é muito grande?
Oliveira: Cada vez mais. No curto prazo você tem uma certa substituição de pessoas, seja pela importação de mão-de-obra estrangeira que está acelerando, seja pela realocação de nível superior que estão ocupando posições de nível médio porque você não acha pessoal qualificado. De repente o Brasil se vê às voltas com milhares de carências de vagas disso e daquilo.
Você tem um sistema de oito bilhões de reais para o orçamento. Porque não viu isso? Como não viu? Então, o descuido não acontece só na área da educação. Mesmo no setor produtivo há um descuido muito grande na previsão. E na hora em que você precisa capacitar as pessoas, o que seria relativamente rápido com a formação técnica, você vê que elas não tem formação básica de qualidade. Então o pais dormiu em relação à qualidade e ainda não despertou. O preço a pagar é o atraso. O Brasil veio crescendo muito até a década de 1970 a um nível surpreendente em relação a baixa qualidade da educação, mas quando o mundo globalizou e quando a tecnologia e o conhecimento passaram a ser fatores importantes o Brasil teve duas décadas perdidas.
Instituto Millenium: A formação técnica é uma saída?
Oliveira: Não. É uma saída desde que haja formação básica. O Brasil tem que investir sim, mas para o investimento fluir é importante que os alunos terminem o ensino fundamental com o mínimo de conhecimento, o que não acontece hoje. As escolas do ensino médio gastam muito do seu tempo refazendo aquilo que foi mal feito nos anos anteriores. Mas claro que o ensino médio técnico é fundamental.
Instituto Millenium: Quais seriam as soluções, principalmente para o ensino fundamental? Do que o Brasil precisa a curto e longo prazo?
Oliveira: No curto prazo, o é importante fazer medidas adequadas… Hoje o Brasil quer usar medidas que talvez sejam inadequadas. Exemplo, autonomia escolar. Ótimo que a escola tenha autonomia, mas com professores semi-analfabetos você não pode ter autonomia. Você tem que ter intervenção para que ele possa usar um material didático mais estruturado uma orientação mais firme e coisas do tipo. Mesma coisa a escola. Hoje você não tem programa de ensino, então como você dá a escola autonomia para ela fazer o próprio programa de ensino? A secretaria tem que fazer a parte dela. Mas no curto prazo você tem que adotar medidas mais orientadas, mais estruturadas. Dar a escola materiais bem estruturados, mas se policiar para que as escolas tenham essa “licença para matar”, ou seja, essa licença para reprovar 20%, 30% dos alunos.
Para o longo prazo a primeira coisa a fazer é ter um sistema para atrair novos professores qualificados e oferecer uma carreira interessante. O Brasil não consegue fazer isso por que ele quer dar tudo para todo mundo. Aumenta salário, aumenta para todo mundo. São dois milhões de professores. Não vai chegar nunca o momento em que você vai poder ter um diferencial significativo. Se o governo quiser aumentar 1% do PIB só para aumentar um pouco o salário dos professores você vai gastar tudo isso aumentando o salários dos atuais e não vai melhorar em nada a qualidade da educação. Não é uma boa estratégia. A boa estratégia é conseguir a condição política para ter uma diferenciação na atração de novos jovens com uma nova carreira e progressivamente atrair os atuais. Junto a isso você teria que ter programas de ensino compatíveis com aqueles que são adequados. Hoje há uma convergência muito grande no mundo inteiro em relação a essas questões em função desses testes internacionais tipo PISA, e se você pesquisar na internet você vai ver que os programas de ensino dos países são bem parecidos sobretudo nas disciplinas básicas, português, matemática e nas ciências. O Brasil insiste em ir por outros caminhos e essas coisas não tendem a dar muito certo.
Sejamos honestos, o Brasil “dorme” em relação a tudo. Quando a situação aperta, vem a velha tática de resolver com “puxadinhos”. Assim, quebramos o galho e voltamos ao sossego de nosso berço macunaímico.